quarta-feira, 30 de maio de 2012

ser crítico não é
ser cítrico
ser críptico também não é
na ânsia por todas as cores
bandeira da paz olvidada

terça-feira, 29 de maio de 2012

não confunda
ludista com
nudista

ludista cai de pau pra dentro
nudista cai
pra fora
o que escrevo
são restos
não é minha própria carne
nem sangue
nem alma
o que eu escrevo né nada
que veio do pó e ao pó
vai voltar

são desenterrados
restos imortais
ali
trás donde a lua fez
descida
fica o quarto da casa azul

trás da parede a lua dorme

domingo, 27 de maio de 2012

antes de subir
cristo disse que voltava

"e não quero ver nenhum de vós
quando eu voltar a aparecer"

mas não ouviram.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

olhando-se demais
sem ver
o tato sem tocar
o senso sem saber
e o santo sem sentir
aquilo que não crê

os membros que andam vão
atrás de um breve ser
de frágil encarnação
espírito a ter
ateus a espirrar
por sobre vendavais

eu próprio já não sou
e eles não são mais

meu corpo não é meu
nem nada a mim pertence
e olhando logo vê-se
que eu mesmo já não hei
como não há fazeres
que afaguem fonte em si

no dia em que me olhei
eu não me vi

contos de fábulas

Naquele tempo o imperador ingressava na carreira militar. Seus muitos professores de estratégia, combate, artilharia, sobrevivência, diplomacia, espionagem, todos o orientavam aos mais altos ensinamentos e segredos desenvolvidos ao longo da história. Eram aqueles ensinamentos que o preparariam para a administração do império.

Apenas seu regente mantinha silêncio. Por mais que estivesse envolvido na defesa do império, nos tratos diplomáticos, na organização de comitivas e alianças, não orientava o jovem imperador em assuntos práticos da guerra e governança.

Um dia, entretanto, levou-o do palácio cedo pela manhã. Antes dos galos acordarem, imperador e regente estavam aos pés dos campos, observando os já iniciados trabalhos de lavra ao solo.

- O que fazemos aqui? - perguntou o imperador.

- Observe. Há meses este solo foi arado, semeado e pacientemente observado. Os homens que aqui trabalham nunca nos viram de perto, e jamais sonhariam em adentrar à cidadela, ou ao palácio.

- E que há demais nisso? Tenho inúmeras terras cultivadas por gente como essa, em diversas partes conquistadas de meu império.

- De vosso futuro império, vossa alteza. E sim, de fato há muitos. Entretanto, nenhum deles sequer saberá o que acontece em vosso palácio.

O imperador ouvia, impaciente.

- E a despeito disso, o palácio depende desses campos. Destes campos. Observe o trabalho dos homens, cansados desde a manhã e dedicados a essa lavoura. Lembre dos legumes, dos frutos da terra que enchem cada banquete feito em vossa honra. Tudo depende daqui. Se queres compreender o que é saber lidar com vosso próprio império, observe a terra. Há que dar mais atenção à colheita do que à conquista.
todo o conhecimento
cabe
no esquecimento
moça bonita
u'a mesa quebrada

violão sem corda
uma bíblia velha

criança chorando
barulho à janela

garrafa de água
e vizinha velha

nada aqui dentro
é metáfora
não tô aqui
toalha

quinta-feira, 24 de maio de 2012

progresso é duro
somente o rock
progressivo
nos interstícios da cidade
as pombas acham paz
que não nos cabe

quarta-feira, 23 de maio de 2012


era tão pacifista
que nem anti
biótico
tomava

terça-feira, 22 de maio de 2012

mudos mudam
mas não falam

sábado, 19 de maio de 2012

há rostos que, depois de tempos
começas a enxergar de outro jeito

é como se agora fosse visto ao contrário
como se a vista de outro ponto
começasse a ver de dentro

ou algo assim

desconhecendo um rosto conhecido
olhando os olhos primeiro, sorriso,
então a pele que envolve uma alma
cabelos que a cobrem

essas coisas

e não há nada
aparentemente
que faça com que isso aconteça

de repente você olha pra cabeça
e pronto
o mundo simplesmente já é outro

sexta-feira, 18 de maio de 2012

en français

je me demande
ce que j’attends
et j’attends la réponse

rien ne vient

il n’y a donc rien à attendre
pas de vague mémoire future
pas de circonstance obtuse
rien qui ne se soit pas déjà réalisé

quand je ne me réponds pas
je réponds à ce qui fût demandé


(Tradução: Florine Thomas)

quinta-feira, 17 de maio de 2012

pergunto a mim mesmo
o que estou esperando
e espero a resposta

vem nada

não há o que espere, então
não há vaga memória futura
não há circunstância obtusa
que ainda não tenha chegado

quando não me respondo
respondo ao que foi perguntado

homenagem a trois

eu
você
e nosso amor

terça-feira, 15 de maio de 2012

- Você precisa parar com isso! Tens que, de uma vez por todas, colocar os pés no chão.
- Então liga a porra da gravidade - disse o astronauta.
quando deus fecha
u'a porta
não abre uma janela

faz brilhar o sol em todas

domingo, 13 de maio de 2012

esperar pelo fim do mundo
é como aguardar
em nível cósmico
o sucesso e superação
da coisa toda

é olhar a realidade
como se ela fosse um executivo
com uma pasta no braço
com papéis e firmas reconhecidas
passando parcelas da vida
a sócios engravatados

esperar pelo fim do mundo
é ver uma meta final
mesmo que ruim e explosiva

procurar por um fim pra vida
ter uma meta
um objetivo
uma gravata
é como fazer da vida
caminho pro fim do mundo


a menos que seja
u'a gravata florida
quem me vê assim
feliz
não é capaz de entender
que em meio a toda essa paz
no fundo, bem lá no fundo,
por sob camadas de cal
debaixo de meio mundo
oculto no seio de mim
há uma tranquilidade inigualável

binário complementar

não esqueça que o dia
das mães
é também o dos filhos
da puta
vejo o vizinho velho
sair caras à janela
refletido em minha janela
aberta

de onde estou eu não sou
capaz de ver o vizinho
sem ser pelo vidro aberto
da janela branca que viso

deitado na minha cama
dois prédios u'a rua
janelas e vidros
um mar céu cerúleo
vítreo
de distância
vejo o vizinho velho
e a velha do velho vizinho
os dois saindo à janela
e sinto
que desde a janela pra dentro
existe um mundo infinito

quinta-feira, 10 de maio de 2012

seguindo o alecrim
que queima no incenso
abelha vem do sol
e quarto adentro

já há mil seres cá
bem dentro das paredes
trocentos pares dasa
um catavento

blues toca na vitrola
luz brilha o céu lá fora
e nada mais agora
há que ser feito


não é um mundo novo
que quero
é o mesmo mundo velho
com um pouco de bom senso
a janela
dormiu aberta
o sol nasceu
por dentro dela
e a cama verde
de primavera
brotou um dia quente e aparentemente promissor
não salvarei
o mundo
há quem o faça
e para todos os
efeitos
apresentarei atestado médico quando puder comparecer ao mundo salvo

quarta-feira, 9 de maio de 2012

esperando godô

- Bicho...
- Digaí.
- Que é aquilo?
- Quilo o quê?
- Aquilo ali, mermão, aquilo ali.
- Ali? Sei não.
- Pô, vai lá ver.
- Vou não, rapá, vou não. Tá longe, o bicho.
- Bicho...
- Digaí.
- Já sei que é.
- Que é, então?
- É um lance, saca?
- Saco nada. Que lance, seu maluco?
- Ô rapá, é o lance lá de longe.
- E cumé que tu enxerga?
- Ah, tô só seguindo as luzes.
- Só...

domingo, 6 de maio de 2012

dharma do cheiro do ralo

Quando as coisas curiosamente se tornarem tortas, estranhas, fora do lugar como uma foca albina, não sinta pena de si mesmo, nem de nada, nem de voo. Quando as coisas se esquecerem delas próprias, não se esqueça. Se alguma coisa for engano, se algum engano for a coisa, o meio termo de tua vida não deve te deixar de cama. A um nível cósmico tua vida não importa. A um nível micro, há mais coisas a fazer. O teu pequeno incômodo não se encontra nem na alta nebulosa nem na urgência do banheiro, na pequenez do ralo entupido, da banheira. Confie que o universo sabe tomar conta de si. Quando tua meia vida parecer errada, faça o que é preciso fazer, dê atenção ao que precisa ser atentado. Ajoelhe-se e limpe o ralo. Não há qualquer razão para tua mente estar em outro lado, em outro estado. Se a água não escoa mais, se é de limpeza que ali precisa, chegue lá, faça aquilo. De joelhos nos ladrilhos, com as mãos - de preferência -, seja a limpeza. Ouça as nebulosas longe se movendo, ouça estrelas, olhe a água suja a ser sugada novamente. Se o ralo entope, limpe-o. Não há qualquer razão que te autorize a não fazê-lo.

sábado, 5 de maio de 2012

a lua
olhada lá da
lua
é a maior lua que há

não escrevo poesia
para ser gostada
e os likes de vocês não dizem nada
e nem o que disserem me dirá
porque não há medida para o dia
caia o mundo, cai fernando,
e eu não escrevo poesia

sexta-feira, 4 de maio de 2012


sociedade de controle
é por demais descontrolada

fruto de estruturas de vergonha
é falta de vergonha
na cara
discursos inflamados
enchem-se de pus
quando o oeste
olhou a oeste
estava o leste
lá também
- Pelo amor de Deus! Por que você não pode simplesmente ficar feliz por mim?
- Porque isso é algo que tu precisa fazer sozinha.
se tu soubesses
tudo que sei
serias eu
e burro

quinta-feira, 3 de maio de 2012

éden

eva, alucinada
viu no de adão uma serpente
e deu na sua bola uma dentada
pensando que era fruta diferente

não foram postos fora por comerem
de árvore do sábio fruta alguma
deus se ofendeu foi com o xingo
que adão berrou aos céus
filhadaputa!
chuva na
cara
janela aberta

o sol no
olho
procuro arco

íris me chama
café.

terça-feira, 1 de maio de 2012

o mundo
que muda à força
calado segue

dia do trabalho

- Filho você já tem idade suficiente para que eu lhe conte, afinal.
- Me conte o que, papai?
- Para que eu conte como o mundo funciona.
- Oh!, e funciona como?
- Com duas pilhas palito.