parem de achar
que tudo está perdido
sexta-feira, 31 de agosto de 2012
quarta-feira, 29 de agosto de 2012
sexta-feira, 24 de agosto de 2012
sexta-feira, 17 de agosto de 2012
história de terroir
Correndo pela floresta ele sentiu sua perna coçar. Pouco, no início, nada alarmante.
Depois, a cada passo dado na direção exata do meio do mato, mais e mais por
floresta adentro, sentiu sua perna coçar com um tormento espalhado no corpo
inteiro. Sem diminuir o ritmo, sem sair da trilha, olhou para a perna que já
formigava com os calores do inferno, uma alergia fatal. Seu nariz ficou
mais sensível aos cheiros da mata e os ouvidos ouviam os grilos e esquilos e
patos no lago distante. Seu
cachorro, correndo do lado, passo a passo sincronizado, arfava com o ribombar
de um tambor. Do trovão. Seu cachorro parecia que ia morrer, correndo, enquanto
sua perna coçava.
No breve
instante em que desviou o olhar da trilha para olhar a perna, viu o vermelho
espalhando rápido a partir da canela. Lembrou sem esforço do momento exato em
que, entrando no mato, passara por uma espécie bem rara de urtiga. Sentiu,
no exato momento em que a planta tocou sua pele, que aquela era a planta que
não podia, sob hipótese alguma, tocar sua pele. Ele sabia. Conhecia as
histórias.
Quando a erva do mato-bravo tocasse três vezes a perna de
qualquer gaiato, a morte não tardaria mais do que o tempo de uma corrida. E
quando lembrou da coceira, no início da trilha, lembrou também da outra vez em
que tal sensação o aturdira. Três dias atrás, embora ele não tivesse certeza.
Não naquela exata floresta, mas bem próximo a ela, num pedaço de bosque ligando
uma vila a outra, passando por sobre um rio e por uma horta, um pomar vistoso
que verdejava na casa abandonada do fim da estrada.
Da primeira vez em que sua perna coçara daquele jeito,
vermelha daquele jeito, ele não sabia ainda da história antiga. Curioso, desviou-se do caminho
estreito para escarafunchar um monumento velho coberto por plantas,
trepadeiras, limo e tempo. No alto do monumento, espécie de pedestal
sustentando um cruzeiro e um pequeno altar, estava a imagem quebrada de um
santo desconhecido. Talvez uma santa. Faltavam-lhe braços, cabeça e parte do
tronco. No corpo do monumento, algo escrito era encoberto pelas trepadeiras de
anos e anos a céu aberto e nenhum cuidado.
Aproximou-se. Com as mãos firmes de quem desconhece o medo
arrancou algumas das plantas que tapavam o velho letreiro. Sentiu seus pés
coçarem no mesmo momento em que leu, com dificuldade, a única palavra ainda não
consumida pelo vento e pela mata. Renaissance.
Renascimento.
Não atinou com o sentido daquele escrito até pouco tempo
depois, quando sua perna vermelha e povoada de pontos negros chamou a atenção
da dona de seu albergue, pequena casa de madeira escondida na floresta fria.
Soube, então, da história. Ou parte dela, já que mesmo com
sua atenção completa o francês da floresta soava a ele como uma música
esquecida, celta e sem escrita direta. Mas soube da história, tão bem quanto pôde. O mato-bravo, dissera
a velha, crescia no pedestal da Santa esquecida, da Santa desmembrada. Havia um
nome, para a santa, mas ele não compreendera. Não importava, de todo modo.
Importava saber tão-somente que ali, no norte do grande bosque, aquela erva
rasteira carregava consigo segredos do fim do mundo, do fundo do chão da terra.
Da parte daquela floresta em que se depositam os mortos, e os esquecem.
Mas não há com o que se preocupar, dissera a velha. A erva
cresce somente no pedestal, ao que se saiba, e para que qualquer mal o ataque –
doença, peste, morte, raiva – três vezes a desatenção é necessária. Quer dizer,
não volte ao monumento e nada dará errado, dissera a velha.
Mas
enquanto corria, sentia a perna tão vermelha pesada e negra quanto no dia da
Santa antiga. Sabia, agora, que nem só naquele pilar a tal da erva existia.
Por isso ninguém se mete floresta adentro, pensou. Mas continuou correndo. Sentia sua boca grudada, a saliva
pesada e seca cansando a respiração. Ouvia o trovão ofegante do cachorro a seu
lado. Olhando bem, agora, via as marcas negras na pele vermelha de urtiga
escondida pelo pêlo do animal. Não sabia contar quantas vezes tivera
ele, cachorro, tocado naquela planta.
Alguns passos mais, soube que foram três. O pêlo rubro
do cão ofuscava a vista do mesmo jeito que seu arfar alcançava ambas as pontas
da trilha. Os olhos injetados do animal só amenizaram a expressão de horror
quando ele tombou, quatro patas mirando os céus, e rolou para o rio lá embaixo.
O som dos grilos era cada vez mais forte, e agora ele era
capaz de ouvir, prestando atenção, o motor dos carros na estrada distante. Não
sabia a cor de seus próprios olhos, mas pela pressão das retinas podia
imaginar. Vermelho, carne-viva. Foda-se, pensou, foda-se, é só não tocar mais
nessa planta maldita, nessa filha da puta. E sair daqui o quanto antes, voltar
pra cidade, voltar pra minha vida.
Sentiu o cheiro do fim da trilha, poucos quilômetros
adiante. A despeito da coceira na perna, que já subia ao tronco, mantinha um
bom ritmo desde o início. Sabia que terminaria a trilha em não muito tempo. Mas
sua vista, também excitada pelos efeitos daquela alergia, enxergou desde longe
o que o esperava antes do fim do caminho. Gelou, e seu coração compassado ao
ritmo da corrida passou a bater rápido, mais rápido do que deveria.
À sua frente, um muro de urtigas cobria toda a floresta.
quinta-feira, 16 de agosto de 2012
segunda-feira, 13 de agosto de 2012
lógica do clube
Da janela a oeste vem o som de máquinas trabalhando, máquinas que não param. Da janela leste o som de pássaros voa dentro, passa por minha mente em duas voltas e vai embora, pra cima de um galho. Pássaros param.
Sentado, com a cerveja na mão e o vazio vasto sobre a mesa antiga, ouço do fundo do palco o piano aumentando pouco a pouco seu volume.
Há tesouros por toda parte. Quieto, parado, feito um pássaro calado sobre a madeira de uma árvore já morta, sou como máquina. Há tesouros por toda parte, e sou um caça-níqueis definitivamente quebrado.
sexta-feira, 3 de agosto de 2012
quarta-feira, 1 de agosto de 2012
quarante troisième
O sol na teia de aranha ilumina um canto do quarto com brilho de caçador. É manhã. Tremendo presa a ela não sei se está aranha, mosca, folha ou estrela perdida da noite anterior.
Voa um vento quarto adentro, erguendo as folhas da mesa e varrendo os pensamentos. Post-its colados no mundo amarelecem parede de um mapa de azul profundo.
No fundo de algum oceano há de haver, mesmo no instante agora, uma grande teia marinha impedindo que as águas fundas acabem por ir embora.
A vocação das águas é trocar de casa.