terça-feira, 30 de abril de 2013


tenho a imagem do teu beijo num poema
que me escapa

foge como o fogo apaga
o entardecer
e a brisa alastra vaga
imensidão

tu é incêndio na memória
erupção
sorriso aberto e cor de amora

a imagem do teu beijo mal nem chega
e vai-se embora

segunda-feira, 29 de abril de 2013

http://macauantigo.blogspot.pt/2009/05/cemiterio-s-miguel.html

Deste tumu-
lo em que repouso.
Clamo e suppli
co-te que ores
por mim.

Anna M. Rodrigues, enterrada em Macau,
cemitério de São Miguel



nunca sei se atrasa
mais de meia hora
porque em meia hora
estou em casa

domingo, 28 de abril de 2013


sou a máquina fotográfica do futuro
na retina guardo tudo
que passou e passará

são imagens desbotadas
eu confesso
mas melhor que eu não vejo
quem me possa apresentar
as imagens do caminho
que se vão, que foi, que vinho
e que nunca voltará

xicó

cansei
só sei que foi assim

sábado, 27 de abril de 2013

cena 53, banal, real

- Filho da puta, não pegue minha mulher!

- Ex-mulher.

- Tá, tá, amigo da onça. Tô avisando. Te amo, seu puto, mas não pega minha mulher.

- Ex. E relaxa, cara, relaxa. Claro que não vou fazer isso. Ainda mais com ela, porra. Patrícia é brother, que nem tu. Acha que eu ia ficar de sacanagem logo com Patrícia?

- ...

- Tô falando, cara. É brother, vou pegar ninguém não.

- Priscila, bicho. O nome da mina é Priscila. Brother pra caralho, hein?

sexta-feira, 26 de abril de 2013


o conforto de minha infância foi não ter tido eu que lidar
com burocracias
vêm daí as memórias certas
de dias bons
de felicidade
leveza e de vida eterna
de plenitude

assinou um papel,
meu bom,
fodeu

quinta-feira, 25 de abril de 2013

amor é a resposta
ok
foda é a pergunta...

o caminho
do meio
está entre
as pernas

não sei
mas não sou pago pra saber
o que eu tenho de melhor
é o não ter

terça-feira, 23 de abril de 2013

q

do

considerações anafiláticas


passamos um ano soberbo. Fantástico. Um ano extraordinário.
Vivemos separados estes doze meses.

Enquanto ela estava lá e eu aqui - o que significa dizer, a bem da verdade, quase sempre -, eu fui feliz, pleno e completo. Senti no peito, direto e todo dia, bater uma alegria e contentamento que nem julgava ser capaz. Quando estava eu lá, ou ela aqui, nem tanto, mas tanto faz porque supomos que é assim que a coisa se dá. Nada é perfeito, é o que crescemos tendo que ouvir, e concordando.

Mas estando juntos, estava eu feliz. O tempo todo. Até aqui, sozinho, inteiro, estava eu feliz e satisfeito. E lá, na verdade, também. Mesmo que não perfeito, mesmo que não o tempo inteiro, mesmo que nada disso, quando nos encontrávamos era só sentir algo errado para pensar "para com isso" e voltar a sentir bem.

Foi um ano soberbo, fantástico, extraordinário.

Agora que acabou, que renasce o calendário, me pego não feliz o tempo todo. Me pego perguntando a mim mesmo e em silêncio - que de doido não preciso de mais nada - por que não estou contente.

Foi um ano soberbo em que estive feliz todo o tempo, mesmo sozinho.

Agora que estou sozinho, parece que não tem jeito. Por enquanto, pelo menos.

que não é essa dor no peito e essa minha frescura que vai ter culhão bastante pra parar o girar da Terra. Talvez somente o da lua.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

canção dialógica


ela me disse que trabalha muito
que acorda cedo
que não tem mais tempo pra me ver cantar

ela me disse que não sabe onde
desde aquela noite
o amor está

ela me disse e disse novamente
que daqui pra frente
não seria assim

ela me disse mas já não ouvia
e o que sentia
já chegara ao fim

eu disse a ela que
por mais que doa
sempre é coisa boa
esse tal mudar

eu disse e digo
a mim mesmo minto
e seguindo sinto
a mudança andar

domingo, 21 de abril de 2013

canção para quando você não voltar


nunca senti saudades
até que você se foi

levou de metade a um terço
levou mais que isso, penso
e não sei o que deixou

nunca senti saudades
e agora, por outro lado
não sinto nada além disso
nem sinto que tenho vago
espaço para sentir

seja lá o que for
quando você se foi
algo você levou

se não fui eu quem fui
já não sei mais quem sou

sexta-feira, 19 de abril de 2013


quando um não quer
dois não brigam
nem nada mais
a não ser que pague o preço
tristeza, cansaço, peso
a não ser que não se escute o que falou
voz de si mesmo

quando um não quer
dois não temos

quarta-feira, 17 de abril de 2013

um ano tem, se bem me lembro, 52 semanas


Fiquei quase dois anos com certo ranço, preconceito, algo estranho com relação a Portugal. Sei lá por quê. Preconceito, deve ser. Mesmo morando aqui, Portugal ficou um tempão no meu imaginário como vizinha velha, dono de padaria, fado, personagem de piada e colonialista safado.

Mas tem mudado, começo a perceber. Primavera, trilhas montanha acima, Tejo banhando a vista, ruína velha. Até fado, veja você.

E o passado. Passado medieval, cavaleiros, reis, castelos e guerra antiga. Mouros, visigodos, tradições célticas, sítios arqueológicos mais velhos que andar na pedra. Talvez por ser a figura de nosso Pai, de certa forma - e a dada altura - olhamos pra cá como quem olha um velho errado. Colonialista safado, como mencionei.

Fica a sensação de que a Europa mesmo é tudo que não seja aqui. Mesmo o passado que a gente romantiza, romance de cavalaria e távola redonda, tá sempre tudo à volta e não na terra lusa. Mas não sei, sei não. Diz o Ariano Suassuna que Rei Arthur é patavina, pois temos Dom Sebastião.

Toca um fado novo enquanto escrevo. Os ares mudam. Qualquer hora o Desejado volta aí.


51, talvez boa ideia pra um pós-aniversário


Os dele não foram os primeiros olhos cegos que vi na vida, mas foram os primeiros de um amigo. Dias e dias, anos, cafés, leituras, conversas. Aqueles olhos sem óculos me fitavam sempre, ainda que não enxergassem.

Há um movimento engraçado no olhar dos cegos. As pupilas azuladas, retinas buscando sempre o alto, o balançar rápido pra todo lado. Há um movimento infinito nos olhos cegos que eu, nos melhores dias, não enxergo de todo. É como se olhassem o mundo inteiro de uma vez só, todo o globo.

Hoje, andando neste mesmo mundo, a cada esquina que esbarro com um cego penso logo em meu amigo. Se os olhos estiverem a descoberto, então, ainda mais. Cada par de olhos cegos que vejo agora, com sua nudez para fora em sóbria dignidade, são os mesmos olhos que os dele.

Cegos, a cada esquina esses dois olhos preenchem tudo.

50% é construção, o resto é céu

Demoro anos para entrar ali, para sequer passar em frente. Não sei, desatenção, falta de pés, caminhos outros, dias diversos. Demoro anos e quando entro, entro.

As paredes de pedras derrubadas, as colunas antigas chamuscadas pelo fogo, a nave principal rajada a sol sem um sequer colorido de vitral. A igreja maior, a grande recepção, o altar a Deus, tudo ali é meu na hora que entro, na hora que olho.

Um terremoto derrubou tudo, século atrás. Mais do que um, fazem já três. A coisa mesmo nunca se reergueu, mas o gramado que alinha as colunas cresceu como crescem as plantas, as dores e a vida. Verdes, bonitas, são duas passarelas em torno das pedras, de frente aos retalhos do tempo já lá vão seus anos.

À noite deve ser teto de estrelas, mas não estou lá. Agora, sentado na escada, olhando os pilares janelas adornos as gárgulas decalcadas pelo uso do tempo e chuva, olhando eu agora ao céu onde fica o teto só vejo azul.

O sol inunda o dia, a morte, os montes de pedras talhadas. O sol pia, o jazz da praça fora voa igreja adentro. A falta de teto é a bênção do tempo.

Através dos arcos, a lua crescente expia as ruínas.

e viveram felizes
para sempre
cada qual em seu lado
até que morressem

eu
quando achei que estava errado
acertei

terça-feira, 16 de abril de 2013


hoje
tirei os livros da mala

depois de duas semanas
tirei os livros da mala

estavam lá
mala e livros
porque era o que era preciso
para eu poder me mudar

estavam lá
na mala
livros e um plano oculto

tirei hoje os livros da mala
e veio o futuro junto

segunda-feira, 15 de abril de 2013


vi
depois desvi
aos poucos encontrei
pedaços desgarrados
as cinzas do caminho
retalhos costurados
papel manchado a vinho

eu vi depois
senti
a brisa corriqueira
da quente primavera
cravando dentro o peito
cavando mei sem jeito
o fruto de uma espera

vi
depois fechei
os olhos e os ouvidos
pois tudo tinha visto
e a nada mais cheguei

sim
saber que tenho visto
é tudo que eu sei

domingo, 14 de abril de 2013


a noite cai-me lá fora

é doce morrer na água
salgada do mar de outrora

estou atado ao momento atrás
sou no marasmo
o que o ontem fazia assaz
exato
sigo adiante co pé direito
co'a mente
co'a obrigação
me arrasto ao fundo co pé canhoto
co morto
e co pulmão
que no frio me dói
enquanto escrevo ao vigário
um salafrário
me mata e mói

meio dia e 49


Lembrei agora do dia em que te esperei por horas no banco frio da rodoviária. Era a tarde, era tarde, mais de um ônibus chegara e não você. Te liguei, um tanto aflito (você poderia ter se perdido!), mas ninguém atendeu. Corri para casa e conferi o horário, o ônibus, o dia em que você chegaria, com tristeza, pesar e larga preocupação. Era amanhã, apenas, e eu me enganara. Te esperei por muito tempo antes que tu chegasse, e foi em vão.

Embora, agora, é uma evidência.

minha cabeça leve
aves nela
voam

sábado, 13 de abril de 2013

puncha'Allah


uma vez um xeque, sheik, um douto homem do Islã, disse que meu amigo muçulmano estava errado. Éramos nós três numa mesquita, em São Paulo. Mesquita xiita, se bem me lembro. Daí foi dito isso, "você está errado!", pelo sheik.

Meu amigo sorriu. "Só Alá pode julgar, não é?", ao que o sheik disse "é".

"Então no dia do Juízo eu lido com isso".

Xeque.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

gozaguinha


a hora escorre
uma atrás da outra em catarata

por que aqui não faço nada?
o que me impede
o que me amarra?

o que esse dia traz no bojo
o preguiçoso triste dia este agora?

por que não olhei lá fora? sequer
por que
não pus a cara na janela?

a bunda
talvez
para ver se algum freguês
do bar vizinho
passava a mão nela com carinho

meus pés estão colados
às solas dos sapatos
ao piso de madeira
ao assoalho

um dia do caralho
este em que não saio
daqui

sou tão pouco
tão pequeno
o mundo ultrapassa tanto
qualquer esforço
que até me canso de o pensar

o mundo ultrapassa tanto
e passa
assobiando
um homem
na rua
um pardal
pelo céu
e uma vizinha
nua pela janela do prédio em frente

minha mente não consegue cobrir os fatos todos
pardal não cobre o sol
cortina não cobre o corpo
e o assobio do homem não cobre o choro
o soluço de um pequeno cão sarnento
no quintal

flor em primavera


?o que sei
além da dor no peito
que me empala

dos olhos rasos d'água
de cebola

que sei da aurora
do arrebol
do frio do sol de lá de fora
que sei agora que os legumes cozem
que a fome esmaga
que arrasta o homem

que sei da faca
que corta a pele
a casca
o dedo

que sei da face que olho no espelho
e que me olha
como o mistério engole a sobra
de um outro tempo?

quinta-feira, 11 de abril de 2013

como é que está seu coração hoje?

minha mente envelopada
coração a remetente

quarta-feira, 10 de abril de 2013

como é que está seu coração hoje?

Piegas, mas enquanto estudava chinês e escrevia infinitas vezes os mesmos caracteres tive essa ideia. Como está meu coração hoje? Como o escrevo, qual a definição do traço, a disposição e o tamanho? Fiz o teste. Faça também.


Hoje, no verso de uma gramática. Amanhã deve se repetir, mas talvez de outra forma e em outro suporte. Coração e mente observados dia a dia, barateando despesas com psicólogo e cardiologista.

chico saltou daquela serra
sorriu, virou à esquerda
cruzou o rio sem roupa
a nado
e nada de ficar parado
quando pisou na margem longe
chico criou a vista
a voz
e o horizonte

terça-feira, 9 de abril de 2013


o que faço
senão manter um pé no chão
a cada passo?
tem uma estátua
se fingindo de mim
um duplo, um outro cabra
dividindo espaço
da pele pra dentro
um pedaço de outro mundo, de outro tempo
de um futuro que esqueci

há ruína e corrosão
trepadeiras, limo, lixo
buraco em parede e muro
vazio no estômago, bucho
há uma cratera incendiada
negra e sem luz alguma
há um fosso profundo
de pedra e concreto escuro
no qual minha estátua se vê
como se visse num poço sujo
de água que o bucho bebe
que à pele, fraco, não curo

nesse poço fundo me banho

nas minhas entranhas me encontro
das minhas entranhas eu canto

tudo muda
até que planta

duas sandálias
e uma quebrada

o pé chei de terra
a vista larga e o horizonte
à frente do mato verde
o som de uma cachoeira

a corredeira

patos corvo grutas castelos
vento frio cortando o cabelo
o velho murmúrio gritos de guerra
crianças que acampam no pé de uma serra

eu só
e os montes aos montes por todo lado
o barulho abafado do silêncio que nunca
nunca cala

minha vida em uma mala

segunda-feira, 8 de abril de 2013


tem um lance
entre dois lances de escada
ao qual nada sobe
pro qual falta nada

há um andar e meio
a meio andar
há uma flor no peito
de Nicolar
velho senhor
e solitário

a coxear pelo armário

quando o velhinho puder voar
os lances de escada vão se elevar

e todos subirão
direto
sem que falte uma só nota
uma só gota
uma só lágrima
por perto

deus nenhum escreve
as palavras em papel

o texto original
que qualquer deus escreveu
está inscrito nos seus

páginas amareladas revelam nada

no me gusta lo gusto da dor

é preciso coragem
para se ser triste
é preciso vontade
para se afundar
olvidar os pios
dos passarinhos
o brilho do sol
é preciso uma desatenção imensa
para ignorar que enquanto pensa em dor
em tristeza
duas crianças passam sorrindo e rindo
é preciso coragem
para ignorar o mundo e fechar o riso

eu
de minha parte
sou covarde

Depois da Chuva by Karnak on Grooveshark

domingo, 7 de abril de 2013


da noite pro dia
não, pra sua própria madrugada
criou-se um buraco na vida
enorme e vazia parada

de lá para cá
em dois dias
as coisas ficaram as mesmas
mas há uma vaga tristeza
coberta por fome e cansada

rompeu-se o ventre da aurora
e a boca da noite se abriu
estrelas piscaram e foram
embora pra onde se viu
o início de tudo criado
e eu, malcriado que sou,
sinto no estômago amargo
a fome incessante do amor
comido, brindado e deixado
na pilha de louças cruéis
que se amontoam ao lado
do cesto de velhos papéis
em que rabisquei versões fracas
deste já fraco poema

mas é que não escrever nada
seria perder uma pena
têm horas
sobretudo as que antecedem as próximas
que soam como ribombar de bombos
biombos de vida
e troça

há horas que há horas vejo
o rio do contentamento
passar sob a minha porta


dia amanhece
frio em pequenas formas
de sol e raios
de sol
e pios
de bemtevis
e demais outros passarinhos que não viram mais ninguém
mas que por passararem
piam também

dia lá fora frio e novo
eu cá dentro frio

sexta-feira, 5 de abril de 2013


minha cabeça explodirá
do choro que não choro

do choro que escorre
derretem-se os olhos
e a terra os engole

carimba o passaporte
emite a certidão

do choro que não choro explode-me o pulmão