terça-feira, 26 de fevereiro de 2013


ao fim e ao cabo
me acabo

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

poema é um nó na garganta
um calo nos dedos
estalo nas juntas
e a dor nas costas de quando um poeta
já velho
levanta da cama
o espelho
corta a pele do rosto
inteiro
mesmo que não esteja
aos cacos

o mundo
não é uma guerra
a guerra não é uma guerra

olhe pro lado
soldado
veja o irmão
caído no mato
já sujo de lama
as tropas na cama do hospital

olhe pro sol
soldado
veja o brilho
em cima dos tanques
do aliado
e do rival

olhe pra baixo
soldado
veja teus pés
os dedos mexendo
frieira coçando
o mal da trincheira
cravada no peito

olhe pra dentro
soldado
olhe pra fora
atire as palavras
ao vento, soldado

olhe e fale
escute e peça
agora, soldado
que em tua cabeça
o mundo é um só

e os homens também
o que o
matou
foi só o tempo
a martelar
a cabeça dói mas é cabeça
dói o corpo, as pernas
dói da dor eterna

de se doar pouco
desta
dada para o outro
festa
nunca é cedo demais
para começar
janela
é troca de dentro e de fora
bem mais do que porta

em vez de pés calejados
de perna cansadas
pela janela só passam olhares
gatos
a chuva varada de vento
e um assobio
que chama, da rua
quem está dentro
cansaço não dá
aos pedaços
os velhos verdadeiros santos
são ctônicos

o deus que não é da terra
só pode ser et
educação
sem reconhecimento do antes
do mestre
da tradição
educação que só se pretende revolução
que radicalmente se pretende só revolução

sinceramente
não sei se é educação propriamente

angústia da influência precisa de angústia
e de influência

ninguém é um átomo, e a revolução
de uma educação atomista
de liberdade total
de liberdade mental
não vê as influências necessárias
pra revolucionar
qualquer área
Diz a tradição que o Buda sentou sob a árvore, antes ainda de ser Buda, colocou uma mão no chão e disse que não levantaria dali até encontrar o remédio para o sofrimento de todos os seres.

Diz a tradição que, meditando sob a árvore, o Buda que ainda não era Buda foi tentado por Mara, o Senhor da Ilusão, com seus exércitos de demônios, mulheres voluptuosas, promessas de mundos e fundos. Mas o Buda, que ainda não o era, mal respondeu. Continuou ali.

E se iluminou.

Mas ele não se iluminou somente porque venceu as tentações, os demônios, os desejos. Ele se iluminou porque, antes de se iluminar, quando sentou ao pé da árvore, disse para si próprio que não levantaria dali até encontrar a solução, o meio para auxiliar todos os seres.


O Buda que não era Buda assumiu um compromisso, teve força e tranquilidade para cumpri-lo e, por isso, passou a ser o Buda que é Buda. A iluminação começa antes da luz.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

a raça humana é
uma semana
do trabalho de deus

deus,
pra te fazer
quantos milênios
trabalham os teus?

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013


renuncio ao papo
que de nada vale

renuncio ao vale
entre roseirais

renuncio aos ais
que o desfiladeiro
pedra a pedra cava
sob meus umbrais

renuncio e corro
pé depois do outro
rumo a um horizonte
cheio de finais
- Tu não se sente derreter? Os braços, as pernas, a dobra da pele na barriga, não sente o calor? Não sente o calafrio que passa na espinha, na minha, no tremor que percorre tudo? Sente não? Tu não sente o absurdo dessa conversa, do avesso de sentido, não sente que devia ter sido o que não foi, e que devia ter ido, e que ir estraga, que ficar piora? Não sente esse vento agora, batendo no peito, esse sopro, aumento de frio na corrente de ar? Não ouve o mar vindo e vindo, em ondas que não param de chegar, de molhar os pés, de aguar a cara? Não sente, cara? Como pode não sentir esse assobio caetanear bem no pé do ouvido, o clima torcer, o céu ao contrário? Não sente, não toca, não vê? Como pode ser, se antes tu via tudo, sentia igual? Se teu paladar era todo sal, amor, atenção? Tu não sente agora as cascatas de erros, enganos, lamentos, peso na consciência afogar a face? Tu não sente quase o afogamento? Não percebe o quanto eu tento me agitar, bater os pés, girar os braços, prender o ar? Não vê que eu sou o mar mesmo em que me afogo?
escorre, gotejando
o corpo estreito e morto
da história que passou

abre um olho e sussurra
"venha, criatura
não deixe eu morrer de vez"

o ouvido passa ao largo
escuta, espia, estrago
fingindo que não viu

à história das histórias soma sempre uma a mais
- deixa a história morta
em paz -

olho ôlho a ôlho a minha sombra
profunda marca dágua estatelada
no chão parede selva mar e nada
cravando unha sangrenta em minha alcova

desnudam-se veneno e pano branco
cobrindo o catre a noite a alma a vida
e despem-se segredo e desengano
sucesso em plano morto e desvalida

saber-se de si mesmo é que não sabe
quem sabe muito ou pouco ou mais ou menos
dos outros caso a caso e dos pequenos
rubores rumo ao âmago da brida

passar do tempo faz passar a hora
bater da porta faz saber lá fora
o vento a morte angústia a dor o nada
que soa canta e anima a caminhada
o futuro
é um presente atrás do outro

atrás
a curva
tornou-se
bruma

soubesse eu no começo
tivesse eu tido tempo
pudesse eu ser o vento

leveza
leva
e lava
a lava
do vulcão
bom dia
como você está?
como você dormiu?
como acordou?

bom dia
preciso de uma colher
do teu amor
meu coração
é um grampo de alpinismo
uma corda de bombeiros
a saída de emergência do edifício

meu coração
é caminho a ligação
entre o céu e o oportuno
entre o solo e o cerúleo bastião

coração
é donde emana o mana e fé
de onde chovem sal e axé
e inspiração

meu coração é um liame muito estreito
que enovela desde a ponta do meu peito
e desenrola apontando a solução

é um labirinto em que só eu estou perdido

eu, que nunca fui eu próprio
nem eu, nem mais ninguém
agora que não sei mesmo quem sou
porque não sei dizer se sirvo ao bem
ao mal, ao pouco, ao duvidoso

eu que nunca soube de mim nada
agora sei apenas um pedaço
do muito que escondeu-se no regaço
da bela doce grande minha amada

aqui que não é lá nem fora
que é o espaço aberto agora
por onde chovem vendavais

aqui é que me encontro em sonho
e só, e solto, e vivo, e morto
aguando imensos areais

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013


quando se iluminou
ao pé da árvore
buda deixou de saber

se ele era o homem desperto
ou se era a planta na casca
se era os galhos, as folhas
se era as raízes cravadas
no seio da terra - se era
mesmo essa terra
escavada -

quando se iluminou
o homem buda passou
pregando
todos os anos até morrer

quando se iluminou
a árvore
passou todo o tempo soltando
fruto, fótons, pólen
até outro mundo nascer

quando se iluminou
o pé da árvore
tocou o chão

e foi tudo iluminação

No hay banda


ou
as aventuras do barão Pomeray no mundo inexistente
(uma narrativa escabrosa de aliche com alcaparras)

A primavera não existe no mundo, o clima não muda no tempo. A primavera existe na mente – ou não existe, e aí existe o inverno – e o clima e o tempo e o vento não mudam porque não existem, tampouco continuam os mesmos. O mundo, na verdade – embora a verdade também não exista -, é uma grande cabeça de bacalhau flutuando no éter inodoro e negrotransparente do Espaço grande e cósmico. O mundo não existe.

Barão Raul Pomeray viaja pelo Cosmo sentado em uma nave intergaláctica. Barão Pomeray viaja pelo Cosmo sentado em um caixão pequeno – de anão. Enterros de anões não existem, caixões de anões não existem, Barão Pomeray não existe. Barão Pomeray voando pelo espaço encontrou a Grande Cabeça-Terra de Bacalhau, que não existe. E este texto passou a existir.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

a vida vai nos levando
para aquele ponto futuro
em que somos velhos com livros
as roupas com cheiro de fumo
três gatos em torno da casa
com sorte, uma flor no jardim

lembranças de um tempo de outrora
em que não cheirava fumaça
nem nossa vida, nem nossa casa
e os gatos que rondam as horas
- e os cães dos que latem lá fora -
éramos nós em criança
pulando carniça na praça
enquanto existir mundo
o mundo acabará
um dia, a qualquer hora

enquanto o mundo acaba
conseguirá lembrar
você, ou eu, ou tudo
de tudo que fizemos?

e, mesmo terminando,
existirá um riso
no universo escuro?
monte um'universidade
popular
com um monte de gente
de um monte de idade
sem burocracia papel fichamento sem certificado
sem lista presença sem essas doenças que a gente bem sabe
que sempre se tem
multiversidade
pluriversidade
uma versidade
com mais de dez visões

monte a inversidade
construa que eles vêm
de todo o canto mundo
eles vêm
o incêndio que lavou
o campo de lavandas
levou a todos deuses
incenso de aruanda

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

a rónai mádach


vive e confia, e confiando segue
por mais que cegue a luz de um novo dia
e por pior a sombra que o ontem carregue
confia e segue iluminando a via

sua mente semeia vento
colhe tempestade ou brigadeiro
de colher?

o seu corpo se põe de pé
com a mão nas costas
ou o céu que se estende em nuvens
é o céu da boca?

você mente a dizer quem é
ou só diz o que quer dizer
quando ninguém ouve
quando nem você
come pão e couve
vinagre em sachê?

qualquer coisa que se escreva
quebrando linhas comendo letras
trocando dilhos e frios fonemas
pode ser poema?

mas claro que não

sua mente mente e semeia tempo
ou o corpo inteiro encontrou assento
no passar das horas
e já não demora
a se ver por dentro?

um monte de monges
montanhas castanhas
e águas levadas
por uma enxurrada

o sol desdobra-se ao vento

sábado, 9 de fevereiro de 2013


vamos pular carnaval
vamos
mexer com as pernas
pra cima e pra baixo
batendo na terra

vamos pular carnaval
pular carniça
pular o prefácio
pular a linguiça e ir de uma vez
pra carne da vida

vamos pular de um pé só
saci, pito, pó
pular disfarçado de rei
de pirata
de monstro ou de fada

vamos pular carnaval
e entrar pulando
que nem coelhinho
na páscoa

um poema que não era pra ser mas que no fim foi homenagem ao carnaval lá das bandas de pernambuco


um dia
a risada se vestiu de branco
e saiu pisando manso por entre as flores da tia

quando cruzou o portão
sabendo não onde estava
julgou que a melhor solução
era seguir pela faixa
que liga mar ao sertão

passou ligeira na mata
subiu a serra e desceu
passou no agreste danado
tomou da água de deus
que se escondia no cacto
e quando pisou na terra
rachada pelo calor
se esqueceu de quem era

porque vestida de branco
risada virou sorriso
e se espalhou pelos cantos
daquele povo indeciso
que entre festa e folia
colore as flores da tia
com som, com dança e encanto

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

nasce um deus
a todo instante

na manjedoura do dia
entre poema e pão dormido
dão-se os braços três amigos
buscando a manha também

na manhã de cada ocaso
acaso se encontram juntos
corvos, serpentes e sapos
e todos os bichos do mundo

o farfalhar de uma folha
o cricrilar de um grilo
e até o som distorcido
do grito de um periquito
colorem as voltas da terra

no fundo de uma quieta gruta
o pulmão dos deuses berra
a asa
da pedra
é ela mesma
poeta

o pássaro voa ao tocar no chão

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013


sabe o que você não sabe?
aquilo escondido até mesmo
de ti?

se for igual a mim
- como acho que deve ser -
só dá pra descobrir se a gente tenta ver.

Ver como, tu me pergunta?

...

ah, não? Tu não pergunta?

tudo bem.

em terra de cego, quem tem olho
rei
pulou o carnaval
e
foi com dois pés no peito
do resto do ano inteiro

a festa da carne
em carne viva
três monges tailandeses
comendo
comida tailandesa
num bar

num bar num restaurante
no central de Hong Kong
às onze da manhã

o templo é em todo canto
votem em mim para seu profeta
e adorado deus
voltem aos calabouços e arranha-céus

abram na página quinze dessa litania
copiem na mente
as lições mais urgentes
de biologia

esqueçam de olhar sem dizer
sem pensar

esqueçam de ver antes de falar

eu, como deus
agridoce
darei a vocês muitas posses

e um ou outro momento de amor carnal e lazer
convergir
em vez de converter
e não há cruz, crescente ou Dharma
que pregue o oposto

convergir é o verdadeiro espírito
religioso

cena banal no oriente


Na China, às vezes falo sozinho para diminuir tua falta, tua distância. Falo em francês, no meio de chinos, nem que seja só um 'oui', só um 'porquoi'. Nem que seja uma exclamação em dialeto walon, a língua do teu avô.

Me pego pensando em francês, no meio de ideogramas brilhantes e luminosos. Parce que oui, eu penso, só porque sim. Vejo, num templo budista, um homem com o filho amarrado no peito, o enfant.

Tudo o que eu também quero, enfim. Budismo, um filho, toi no meu peito. A China é uma cena banal: passam lojinhas em Hong Kong com cerveja Chimay, frites de Belgique. Mas tu não está aqui.

Je t'aime três fort. Duì, em chinês, oui em francês. Por isso confundo. O mundo é grande e estamos longe. Nesta semana.
corro devagar
em torno desse poço de silêncio
em que me afogo
a quem se tem afeto?
a quem?

aos nossos escolhidos?
irmãos, mães, pais,
maridos?

esposas e a quem mais?

afetos prolongados
um pouco em cada lado
amigos esquecidos de terras já partidas?

o afeto dura toda a vida?

daquela terra agreste
sobraram cinco afetos
todos, nenhum ou sete?

e das franjas do mar?

o afeto que eu sinto também se estenderia
a todo inimigo
- se inimigo houvesse -
ou só me afetaria a triste antipatia?

sou eu quem escolhe o gosto
ou o gosto é quem me acolhe?

se sinto desafeto
cansaço, mau humor,
o certo é distinguir, sair de perto?

ou esses infinitos estudantes
jovens
chineses
imigrantes
que vejo no elevador
também me elevariam

se eu deixasse
que o afeto
não aferrasse nenhum teto de valor?
não digo que não podes
ter preconceitos
julgar
errado
fazer com que tudo e todos ao lado
sejam taxados
de qualquer coisa pior que você

não digo que não deves ter preconceitos
e agir errado conforme eles

mas antes de tudo
primeiro
perceba o que tás fazendo
assuma o preconceito
e chame-o pelo nome

preconceito

depois disso, saber que andas agindo por ignorância
fará o resto
acalma

desde a noite passada
tivemos apenas um dia
na china a noite acaba
no brasil começa agora
na europa não demora pra passar
de um dia a outro

califórnia o sol brilha
imagino
e em algum ponto dobram sinos recebendo a alvorada

mais que tempo, horas
o que me assombra são as cada vez maiores multidões que há no mundo

há sempre noite em algum canto
há sempre o sol em algum outro
e em cada ser humano há um ser humano

sorrio e passo, pequeno
por entre esse espanto

horóscopo


inicia-se um novo período

o sol
em conjunção astral
com o céu
amplifica a potência lunar
que se escondeu

teu signo está marcado
para brihar
- principalmente sob lâmpadas candescentes -
com uma apenas condição

preste atenção.