Encontrei com um peixe no mar, na beira do mar. Um peixe cercado, preso, morto, de barriga aos céus. Dentro de uma garrafa pet, um peixe boiando na pouca água que ali restava. Andando na praia, eu, depois de horas esperando uma amiga que não veio - uma amiga de um amigo meu, que nem conheço mas que por acaso está na minha cidade. Onde eu estou. Onde encontro o peixe morto. Onde sou. A garrafa de limo em volta, em torno toda, garrafa plástico verde escorregadio, lá dentro um peixe um dia vivo que não mais é. Um peixe triste, inchado, maior que a boca do artefato, maior que a entrada por onde entrou. Volto. Com meu pai, na escada, passamos horas a subir degraus. O tempo passa mal, o tempo faz, o tempo arrasta e apreende. Aprisiona. Um peixe na garrafa. A ex-mulher diz que quer ver, quer conversar, e conversamos. Instantâneo. Escorre uma tristeza do nada invisível ao dentro todo. Transborda. Ninguém sabia, ninguém nem mesmo suspeitava, eu pelo menos. Se alguém soubesse, se eu soubesse, juro que não abriria a porta, essa porta inerte que já nem mesmo a um beco dá. Horas na escada, degrau a degrau suadamente subidos, nós dois e o destino, a dificuldade, o tempo, a doença, o peso. A ex que pediu. Que viu. Esteve feliz por enfim me ver. E eu também, feliz, escorri. Lamentadamente por dentro mais muito mais que por fora. Mas até por fora. Porque até quem não percebeu, percebeu. Peixe em garrafa, no mar, entre o limo, morto e boiando no breu. Fecha um ciclo, noite no bar comendo espetinho de queijo coalho queijo nordestino, do nordeste onde morei do nordeste onde era tudo quase sol, quase sempre. Fecha um ciclo, meio aberto, meu pai olhando ao outro lado da rua uma casa de jardim deserto em que foi criança, onde a vó morava, rua em que cresceu. Breu. Lembra do vizinho ao lado, do vizinho ao outro, da vizinha em cima, não do que sobrava na terceira casa de portão azul, esse não lembrava. O bar em que bebemos era um mercadinho, o vizinho ali era um velho amigo. Silêncio. Só percebo, observo, mais não digo e os olhos rubros os olhos vermelhos do meu pai olhando a casa velha ali espelham os meus. Meus olhos vermelhos não pra casa velha, mais por ela, que sumiu na neve distante ensolarada no frio gelado de uma madrugada belga. Peixe. Morto. Dentro do infinito plástico do limo, água pouco a pouco escorregando. Praia. Escada degraus eternidade. Amiga do amigo que não chega, praia tarde, sol brilhando, pai olhando a casa velha, sua infância, eu a minha - eu olhando crianças que julgava logo logo serem minhas, mas que não, resistindo nada nada à mulher que me deixou -, todos nós, escadaria, subindo e descendo o tempo o tempo todo. Traçando riscos, paredes, confinamentos. Peixes em garrafas estreitas, beiras de mar. Todos nós, toda maré. Rolando entre areia e limo até finalmente, num último breve instante de riso e suspiro, brilho nos olhos, parar bem ao pé do tempo. Que ri. E passa.
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