quarta-feira, 29 de agosto de 2012

o óbito
a órbita
estrelas
mórbidas
não confunda queixa
com gueixa
nem queixo
com seixo

nem faça uma queixa à gueixa enquanto ela estiver fazendo massagem tailandesa em seu queixo
vá por mim

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

história de terroir


Correndo pela floresta ele sentiu sua perna coçar. Pouco, no início, nada alarmante. Depois, a cada passo dado na direção exata do meio do mato, mais e mais por floresta adentro, sentiu sua perna coçar com um tormento espalhado no corpo inteiro. Sem diminuir o ritmo, sem sair da trilha, olhou para a perna que já formigava com os calores do inferno, uma alergia fatal. Seu nariz ficou mais sensível aos cheiros da mata e os ouvidos ouviam os grilos e esquilos e patos no lago distante. Seu cachorro, correndo do lado, passo a passo sincronizado, arfava com o ribombar de um tambor. Do trovão. Seu cachorro parecia que ia morrer, correndo, enquanto sua perna coçava.

No breve instante em que desviou o olhar da trilha para olhar a perna, viu o vermelho espalhando rápido a partir da canela. Lembrou sem esforço do momento exato em que, entrando no mato, passara por uma espécie bem rara de urtiga. Sentiu, no exato momento em que a planta tocou sua pele, que aquela era a planta que não podia, sob hipótese alguma, tocar sua pele. Ele sabia. Conhecia as histórias.

Quando a erva do mato-bravo tocasse três vezes a perna de qualquer gaiato, a morte não tardaria mais do que o tempo de uma corrida. E quando lembrou da coceira, no início da trilha, lembrou também da outra vez em que tal sensação o aturdira. Três dias atrás, embora ele não tivesse certeza. Não naquela exata floresta, mas bem próximo a ela, num pedaço de bosque ligando uma vila a outra, passando por sobre um rio e por uma horta, um pomar vistoso que verdejava na casa abandonada do fim da estrada.

Da primeira vez em que sua perna coçara daquele jeito, vermelha daquele jeito, ele não sabia ainda da história antiga. Curioso, desviou-se do caminho estreito para escarafunchar um monumento velho coberto por plantas, trepadeiras, limo e tempo. No alto do monumento, espécie de pedestal sustentando um cruzeiro e um pequeno altar, estava a imagem quebrada de um santo desconhecido. Talvez uma santa. Faltavam-lhe braços, cabeça e parte do tronco. No corpo do monumento, algo escrito era encoberto pelas trepadeiras de anos e anos a céu aberto e nenhum cuidado.

Aproximou-se. Com as mãos firmes de quem desconhece o medo arrancou algumas das plantas que tapavam o velho letreiro. Sentiu seus pés coçarem no mesmo momento em que leu, com dificuldade, a única palavra ainda não consumida pelo vento e pela mata. Renaissance. Renascimento.

Não atinou com o sentido daquele escrito até pouco tempo depois, quando sua perna vermelha e povoada de pontos negros chamou a atenção da dona de seu albergue, pequena casa de madeira escondida na floresta fria.

Soube, então, da história. Ou parte dela, já que mesmo com sua atenção completa o francês da floresta soava a ele como uma música esquecida, celta e sem escrita direta. Mas soube da história, tão bem quanto pôde. O mato-bravo,  dissera a velha, crescia no pedestal da Santa esquecida, da Santa desmembrada. Havia um nome, para a santa, mas ele não compreendera. Não importava, de todo modo. Importava saber tão-somente que ali, no norte do grande bosque, aquela erva rasteira carregava consigo segredos do fim do mundo, do fundo do chão da terra. Da parte daquela floresta em que se depositam os mortos, e os esquecem.

Mas não há com o que se preocupar, dissera a velha. A erva cresce somente no pedestal, ao que se saiba, e para que qualquer mal o ataque – doença, peste, morte, raiva – três vezes a desatenção é necessária. Quer dizer, não volte ao monumento e nada dará errado, dissera a velha.

Mas enquanto corria, sentia a perna tão vermelha pesada e negra quanto no dia da Santa antiga. Sabia, agora, que nem só naquele pilar a tal da erva existia. Por isso ninguém se mete floresta adentro, pensou. Mas continuou correndo. Sentia sua boca grudada, a saliva pesada e seca cansando a respiração. Ouvia o trovão ofegante do cachorro a seu lado. Olhando bem, agora, via as marcas negras na pele vermelha de urtiga escondida pelo pêlo do animal. Não sabia contar quantas vezes tivera ele, cachorro, tocado naquela planta.

Alguns passos mais,  soube que foram três. O pêlo rubro do cão ofuscava a vista do mesmo jeito que seu arfar alcançava ambas as pontas da trilha. Os olhos injetados do animal só amenizaram a expressão de horror quando ele tombou, quatro patas mirando os céus, e rolou para o rio lá embaixo.

O som dos grilos era cada vez mais forte, e agora ele era capaz de ouvir, prestando atenção, o motor dos carros na estrada distante. Não sabia a cor de seus próprios olhos, mas pela pressão das retinas podia imaginar. Vermelho, carne-viva. Foda-se, pensou, foda-se, é só não tocar mais nessa planta maldita, nessa filha da puta. E sair daqui o quanto antes, voltar pra cidade, voltar pra minha vida.

Sentiu o cheiro do fim da trilha, poucos quilômetros adiante. A despeito da coceira na perna, que já subia ao tronco, mantinha um bom ritmo desde o início. Sabia que terminaria a trilha em não muito tempo. Mas sua vista, também excitada pelos efeitos daquela alergia, enxergou desde longe o que o esperava antes do fim do caminho. Gelou, e seu coração compassado ao ritmo da corrida passou a bater rápido, mais rápido do que deveria.

À sua frente, um muro de urtigas cobria toda a floresta.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

lógica do clube


Da janela a oeste vem o som de máquinas trabalhando, máquinas que não param. Da janela leste o som de pássaros voa dentro, passa por minha mente em duas voltas e vai embora, pra cima de um galho. Pássaros param.

Sentado, com a cerveja na mão e o vazio vasto sobre a mesa antiga, ouço do fundo do palco o piano aumentando pouco a pouco seu volume.

Há tesouros por toda parte. Quieto, parado, feito um pássaro calado sobre a madeira de uma árvore já morta, sou como máquina. Há tesouros por toda parte, e sou um caça-níqueis definitivamente quebrado.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

quando abri o pacote
de camisinhas
veio o cheiro imediato de um pacote
de figurinhas

lembrança de minha infância
tentando evitar outras

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

quarante troisième

O sol na teia de aranha ilumina um canto do quarto com brilho de caçador. É manhã. Tremendo presa a ela não sei se está aranha, mosca, folha ou estrela perdida da noite anterior.

Voa um vento quarto adentro, erguendo as folhas da mesa e varrendo os pensamentos. Post-its colados no mundo amarelecem parede de um mapa de azul profundo.

No fundo de algum oceano há de haver, mesmo no instante agora, uma grande teia marinha impedindo que as águas fundas acabem por ir embora.

A vocação das águas é trocar de casa.