terça-feira, 29 de outubro de 2013

trabalhadores de todo o mundo
parai com isso

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Fugia da polícia truculenta, das bombas de choro enlatado e dos jatos de pimenta. Desavisado, anuviado, olhos nublados, cruzou um disfarçado que o derrubou.

Cai o Fernando Abreu

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hips
ter
é
um
hip
pie
con
su
mista

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[deus me livre de revolucionários encalacrados

revolução vai ser um gozo]

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a porta
a porta da viatura
a porta da viatura bateu
a porta da viatura bateu na arma
e disparou
a porta
a porta
a porta
canção da criança morta

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[ano passado, quando dos guarani kaiowá

se disse bastante que a esquerda tradicional, da qual a ex-torturada e atual presidente faz/fez/gostaria-de-fazer parte, não entendia as relações sociais para além das questões campo/cidade

a floresta, o povo nativo, as populações indígenas nunca entraram na cabeça da esquerda tradicional, marxista-industrial-desenvolvimentista

acho que nem a floresta nem a periferia. Porque vejam: quem combatia a ditadura, o braço armado do Estado, era em grande parte a classe média revolucionária. A classe média revolucionária de ontem, hoje é o Estado e o braço armado é dela.

desce-se o cacete na floresta e na periferia, do mesmo modo, porque

hm... "porque eu quis"?

a coisa me parece, embora eu possa estar errado, só um extensíssimo jogo de "quem domina a dominação". Tudo sempre se pautando pelo poder e pelo poder-bater]

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da série "conceituar não custa nada"

:opressão. Não repressão. Repressão é episódica. O resto não.

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preconceito não é argumento

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"A agressão praticada por um civil não é menos covarde do que a praticada por um militar."

Carta Capital e a demonstração de que a esquerda não é mais revolucionária, nem na mídia de esquerda.

[só para resumir: a "agressão civil" é infinitamente menos covarde que a militar e/ou estatal

diria mais :a agressão civil é corajosa

pode estar errada, mas é corajosa]

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[arte de rua

:mandalas

e círculos de poder e invocação

em estêncil

spray

por aí

pela rua]

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amanhã
amanhã será um pouco diferente
só o suficiente para eu lembrar
que ontem e hoje
e dois dias atrás
só para eu lembrar que ontem e hoje e dois dias atrás não foi como será
amanhã
porque amanhã será
um pouco diferente

o pedaço novo da lembrança está guardado
para que a lembrança inteira como a tenho lembrado
amanhã
seja um pouco diferente mas só um pouco
só um pouco porque
nada que eu acrescente ou tire
nada que esqueça
mesmo que eu deixe de pensar ou de ocupar
minha cabeça mesmo assim
amanhã não será tão diferente para mim do que
ontem e hoje
e dois dias atrás
têm sido

iguais

amanhã será um pouco diferente
quase nada
este
poema
não
estará
em
nenhum
livro

este
poema
sequer
existo

este
poema
se faz
na ponta
do lixo

este
poema
sequer
suspiro

este
poema
ouviu
e não
disse

este
poema
burrice

este
poema
se estende
ao infindo

este
poema
lindo

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

ela tinha um bosque atrás de sua
casa
atrás de sua casa chamava de floresta
mas era um bosque largo apenas bosque
pelo meio do qual brotavam fontes
corriam rios cavalos cavalgavam meninas iam
de uma lado para o outro
ela sorria e dizia sim que havia
uma floresta em seu quintal
mas era um bosque e era um bosque pelo
qual corríamos
na neve ao sol na noite começada às seis da tarde
ela tinha um bosque atrás de nossa
casa
chamava de floresta e como a casa era
sua então floresta foi
nunca mais bosque águas escuras o som de cavalos
meninas rindo a planta subindo por entre
cercas e capelas pequenas abandonadas
santas quebradas sem braços cabeças
apenas
com o poder de nos livrar de todo
amém

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e se o que engendrar
fascismo
for fascismo?
e se houver fascismos
face-a-face?
e se?

continuaremos nós
julgando
tudo
de nosso púlpito?

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[gandhi blocs

pensei nisso, dia desses
gandhi blocs
com as mesmíssimas propostas dos black mas uma outra e radicalmente diferente forma de atuação

não pacifismo, que pacifismo é conformismo
mas não-violência
não-violência ativa
não-violência desapegada
não-violência entregue
seguir, apanhar, confrontar, morrer, não levantar uma pedra, um pau, uma flor

gandhi blocs]

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pois quem ficou fui

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a poesia está nas solas de meus tênis
de correr
poema é o chão

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não só não faço ideia como não a tenho

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[e ainda que revolta não seja revolução
quem é o senhor
e quem sou eu
pra querer ter a razão sobre o ocorrido?]

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[monopólio legítimo da violência, da coerção, da força física
falou weber

é o caralho
falou a galera]

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ode à ignorância

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se burrice
matasse
ah, se o mundo fosse
um coice

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[todo mundo quer a democracia de atenas

mas ninguém a pedagogia de esparta]

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[uma das palavras castelhanas de que gosto

:imbécil

não imbecil

im.bÉ.cil]

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o poeta
sua poesia

o sino
soa

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[e é isso

a população não é parede

nem pedra dura

bate bate até que resolve descer o cacete de volta

e é isso

não nos cabe falar "tá errado"

a realidade se importa pouquíssimo com o que pensamos sobre

e os grupos enormes reunidos na rua no meio da bagunça, sinceramente, se importam ainda menos]

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sofria
:)
estava sendo filmado

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[evitar :confronto entre manifestantes e policiais

utilizar :ataque de policiais sobre manifestantes]

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vou te comer, vou te comer
e tu também vou te comer
vou comer todas haha vou comer
todas todas eu vou
comer

[sabe
eu pensei aqui agora, lendo Micheliny Verunschk falar de canibalismo, que talvez (mas só talvez, porque isso pode ser uma heresia antropológica) essa sanha comedorística do homem sobre a mulher poderia ser, veja você, um desejo psíquico latente de absorver alguns atributos, assim, digamos, femininos. Entende? Só pensei, porque nenhuma palavra é ingênua]

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o fim de semana chegou


?daí

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calma
no fim
tudo acaba

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- eu sou budista.

- de qual tradição?

- brasileira.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

microcrítica literária: eduardo lacerda e hoje é outro dia de folia

Admito: demorei para ler Eduardo Lacerda. Até então, pelos últimos meses, Edu foi meu amigo boêmio, editor, filho de pai de santo, bêbado e alegre, o maluco que resolveu publicar meu livro. Até agora Edu foi isso, enquanto Outro dia de folia me aguardava na gaveta.

Hoje, veja você, hoje eu peguei e li, ainda não inteiro que faltam os Despachos, parte dois do orgasmo, mas sim os primeiros Festins.

Edu tem um domínio fantástico da quebra prosódica, da versificação desregrada, daquelas que não devem nada a ninguém e ainda assim apresentam muito. Apresentam tudo, até, talvez, eu diria, conhecendo Edu primeiro de bar e depois de labuta e depois bar de novo. Outro dia de folia, como hoje, aniversário de minha vó, outro dia hoje o dia eu peguei e li Edu. Arrisco dizer que me surpreendi :não esperava.

Arrisco me desarrogar a arrogância :não esperava.

Eduardo Lacerda, poeta, é também editor. Apesar de ter uma mão cheiíssima de bons poetas, Eduardo Lacerda é primeiro também poeta, arrisco dizer, e depois de edição, e depois das artes de nos fazer publicados, felizes, pobres e bêudos. Como agora, aniversário da minha vó, em que bebo a ela e a Eduardo Lacerda, grande poeta.



- Para o grande amor


Talvez, para o grande amor
ainda falte algum filme

ainda falte alguma fala

algum livro

que nos livre.

Alguma

arte, dança, tela

ou anime.

Talvez,
para o grande amor

ainda falte
algum caminho
que nos caminhe.

Algum carinho, algum caminho
que nos caminhe.

Talvez, para o grande amor
ainda falte
alguma
arte,

como uma falta de ar.

Ou uma falta

de ter-te.

Outro dia de folia (2012), de Eduardo Lacerda, pela Editora Patuá. Compre aqui.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

a primeira coisa foi teu riso e depois
veio o resto pouco a pouco até o silêncio
a primeira coisa foi teu riso teus olhos pintados
a segunda coisa foram os movimentos do teu corpo
teus braços os olhos observando o mundo a segunda
coisa foi aquilo
a terceira coisa que lembro foi o abraço
visto ao longe a terceira coisa foi um tanto de
distância e a quarta coisa enfim foi o silêncio
novamente até que a quinta coisa foi teu sorri
so outra vez foi teu sorriso a sexta coisa por fim
chegou e foi teu silêncio de novo e teu sorriso de
novo e teus olhos olhando o mundo e tua boca a sexta
coisa foram teus braços o movimento do teu corpo
a sexta coisa foi enfim a soma toda de todas as coisas
a sexta coisa foi teu sorriso e depois

---

existe todo um mundo
voando entre a retina e o absurdo
existe
um infinito ribombando nos ouvidos
existe o tato dos braços batendo
para se alçar
existe o ar
e a surpresa
existe a beleza e o lago
olhando pra todo lado
existe um mundo em cantar

---

ela tinha
a sensibilidade de um girassol
ela fazia como que
como se não importasse nada além
do lado da luz que ela
olhasse
ela tinha
o rei na barriga de flor
os ouvidos voltados pra dentro
os amores voltados pra dentro
os amigos voltados pra dentro a escuta
ela tinha a escuta de uma filha da
lua nova quando nenhum pio se ouve
ela sabia desterrar o desenterro e
la estava então buraco a cova lá
estava eu estava a nossa profunda
ignorância sensibilidade nosso
ouvido de pedra o arranhar dos galhos
pelas margens
estava também
mesmo que não visse estava também um corpo
já meio decomposto de um boi morrendo
ela tinha
a sensibilidade de um jumento

---

ctrl c ctrl v
ctrl c ctrl v
ctrl c ctrl v
ctrl c ctrl v

v
ctrl c

---

transporte é ruim
televisão é ruim
não me admira que teletransporte nunca funcione

---

a praia assiste a tudo
ao fundo a onda passa a mão
na bunda paternal ao fundo
os cabelos as águas o tempo
escorrem
pro lado
esquerdo
do peito
na praia
o pai
e o filho
sedentos
da boca do estômago ao vento

---

a beleza é um mistério

---

um pássaro cantando nunca nunca está errado

---

[perspectivismo acadêmico

:nunca mais falo sobre espécies não-humanas sem dizer que elas são gente

repito, nunca mais

"E.E.Cummings, neste poema, demonstra a presença da Primavera no canto das gentes ave..."]

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

carreguem
a primavera no coração
não digam que não
silenciem para ouvir
a flor que brota
o broto
que passeia entre os orvalhos
em meio às gotas
de surpresa e desespero
infinito encantamento

carreguem o canto e o rumor
do riacho
riam sem gravidade
também sem apego
ao motivo do riso
ao desejo

sejam
simples e efêmeros
como quem carrega
no coração
mais do que espelhos

[para Gary Snyder, poema na viagem pras três pontas]

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somos só
eu e meu amor no mundo
somos vagabundos caminhando
sem parar
somos pés, mapa, estradas
neblina em que na alta madrugada
sumiremos
eu e meu amor no mundo
somos eu e meu amor no mundo
cremos eu e meu amor no mundo
que virá

[para Jack Kerouac, poema na viagem pras três pontas]

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"Vida,para nossa eternidade,é agora"
(E.E.Cummings)

"O essencial é vivido na presença, as objetividades no passado."
(Martin Buber)

"dita a palavra essencial, amanhecerei árvore"
(Murilo Mendes)

"Eu considero uma árvore."
(Martin Buber)

"Fico feliz de pertencer a uma religião que louva uma árvore"
(Stephen Batchelor)

"Viva!"
(eu)

"Viva eu, que inauguro no mundo o estado de bagunça transcendente."
(Murilo Mendes)

"Ave, árvre"
(eu)

"Ave Sangria"
(Marco Polo)

"Marcooo..."
(Niccolò e Maffeo Polo)

"... Polooo!"
(Marco Polo)

"Lá e de volta outra vez"
(Livro Vermelho do Marco Ocidental)

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entre inferno e inferninho prefiro o segundo
que lá eles têm cachaça pizza e se você reparar bem
até saem murros em briga de bar

o inferno não é lugar para diversão

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as fotos do meu casamento
se queimaram quando a câmera abriu
as fotos do meu casamento
caíram no rio com fotógrafa e tudo
as fotos do meu casamento
estiveram todas fora de enquadro
as fotos do meu casamento
mostravam pessoas com cabeças cortadas
as fotos do meu casamento
mostravam chifrinhos caretas e olhos vermelhos
as fotos do meu casamento
estavam com o flash ligado e inútil
as fotos do meu casamento
estavam no escuro as fotos do meu casamento
as fotos do meu casamento
que nunca existiu
nunca existiram

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a estética é uma ética e vice-versa

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natureza humana
microconto-paródia-chiste de Leandro Durazzo, baseado no microconto-paródia-chiste de Diego Callazans

Certa manhã, acordando de sonos intranquilos, Gregor Samsa se viu metamorfoseado em um horrendo inseto. Como ainda tivesse tempo, virou para o lado e dormiu um pouco mais.

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hell
p
me

--

arremedo desterro
arre
medo
dest
erro

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a poesia não tem pressa
não tem pés
nem vai de rodas
a parte alguma
a poesia não se enfurna
em canto algum
nem na caverna nem no ideário
mundo ideal a poesia não
te faz bem não te faz mal a
poesia sincera
mente não existe
a poesia se arrasta pela terra
mesmo na serra neblina mesmo naqu
ela colina em que voa
no ar
a poesia é só
respirar
o resto
é escrito
esquecimento
e pó

---

eu sinto saudades tuas
mas não as tuas saudades
?tu sente saudades minhas

---

dita
:du.ra

soletra
:dê i tê a dê u érre a

agora façam o cabeçalho
:rio de janeiro, 22 de outubro de 1964

-tia, posso desenhar um solzinho?

"pode, filho"

-solzinho entre nuvens.

"que horas são?"

-hora de voltar no tempo!

"pra qual, crianças?"

-pro pior.

<>

-ah, não?

<>

-parece.

...solzinho entre nuvens...

---

a questão das biografias
agora
nos proíbe
de chamar de filhos da puta
os filhos da puta
sem sua prévia autorização
de suas mães
ou senhoras
e agora?

filha da puta é a legislação
- você me permite, constituição,
dizer assim, você permite? -

---

se a ignorância for fruto da preguiça
ela é má vontade

---

menos mídia
mais amida

terça-feira, 22 de outubro de 2013

o demônio
ele tem mais medo de você do que você
tem dele uma nítida impressão de estar
assim você tem um tanto de tato e de cheiro
de enxofre barato do cheiro do ralo
a visão de milhares de ratos dançando
balé sobre nossos sapatos o demônio
tem mais medo de você de mim de nós de nossa
imaginação ativa de nossa criação divina dessa
criatividade
o demônio tem muito medo de que a gente não bem use
essa dádiva esse dom essa sacada magistral que nos foi dada
pelo demônio pelo demônio pelo demônio
em parceria com nosso senhor jesus cristo em parceria com deus
o demônio e o cristo são ambos ateus
e ficam de joelhos adorando em seus altares
nossos olhares nossos afazeres diários nossos
cantares
todo o universo adora o que desprezamos
nós
os demônios

---

a pós-modernidade é amanhã
ontem, a modernidade
a pré-modernidade, anteontem

hoje
façamos o favor
de não rotular o dia

---

não confundir mea culpa
com meia culpa

não ser um falso arrependido

---

nossa ideia de progresso é lamarckista
enquanto a evolução, darwiniana

que quer dizer
:pensamos num progresso passo a passo
num desenvolvimentismo reforçado
pelo surgimento de um bicho melhor

girafa mais pescoçuda

a evolução do senhor darwin não
era assim não
a evolução
seleção natural, cês sabem
dizia :os mais bem adaptados ao meio é que superam
as dificuldades
e criam filhotes
e dão sequência
e os menos adaptados perdem a cabeça
literalmente

a gente acha que desenvolver é evoluir é passar a ser tudo a gente aqui um bicho melhor
mas não
evoluir é se adaptar
e o meio, hoje em dia, é de uma ignorância tamanha
que só o estúpido sobrevive

e eles são muitos

---

se a cegueira fosse um bicho
comia
mordia
peçonhenta ignorância
se a cegueira fosse um bicho

---

contra o ouro negro
os black blocs

contra
a cara de pau
o grito da terra

contra a morte e a guerra
todos de nós
enlaçados

---

ela simplesmente não sabe que estou
na dela
ela simplesmente não
ela
não sabe que estou
nela

---

eu tava pensando, por algum motivo aleatório, talvez motivo nenhum, mesmo, numa expressão engraçada que tu faz. um franzir a testa sem razão aparente, também, como se estivesse testando o corpo, o rosto, o mundo. Achei curioso lembrar disso. Uma lembrança sem motivo, de uma expressão sem motivos.

---

tua beleza vem e passa
volta e passa
para, respira, espia, sorri e passa
mas nunca fica
em mim ou
na vida

tua beleza seria nada
se fosse só u'a beleza
tua beleza seria
fraca
se em volta dela não existisse
ao que parece
o resto todinho de ti

bonita
independente de seres
linda

---

[a gente acorda e de repente tá lá uma nota
um email dizendo que aquele poema chinês
tão legal de traduzir coletivamente
e que já se achava esquecido na gaveta da cabeça
deve sair publicado em Macau

não se esqueça, animal
a gaveta é um mundo]

---

a poesia escorre
cerveja escorre
sinônimos

---

eu tô
cansado
vocês não
sabem
eu tô
cansado

---

projetos projetos projetos projetos projetos

e mais projetos projetos projetos

a vida é uma projeção

luz
cor
e sombra deline
ando

tem toda uma realidade não só na palma
na mão
tem toda uma realidade nova
no chão

pisemos

---

nós

um monte

d'eus

terça-feira, 8 de outubro de 2013

ah, estúpidos
como o mundo seria fúlgido
sem vocês

---

[usar "legalista"

em vez de "legal"

em todo contexto que legalista caiba
e deixe implícito
que a legalidade é uma canalha]

---

[frankfurt, tu tá de parabéns

mostrando o melhor do nosso melhor
evidenciando o pior do nosso pior
e desvelando a hipocrisia mesquinha de nossa hipocrisia mesquinha

frankfurt, eu nunca gostei tanto de uma feira
desde quinta passada, quando comprei tomates]

---

[diferenciar

manifestação pacífica
de
manifestação não-violenta

porque vejam
:pa.cí.fi.co
adjetivo
2. Que apresenta .tranquilidade. = quieto, sereno
3. Que é aceite sem contestação

pacífico é igual parado
e manifestação não
manifestação é o contrário
é o mexer-se, o muito, o vário
o grito, a transformação

é o inquieto querendo paz e a paz negada

portanto, negada, manifestação não é pacífica nada
manifestação é não-violenta

pacífico é um oceano
e a manutenção
da manada]

---

toda violência é burra
mais burra que unanimidade
toda violência é burra

---

''...começou pacífica
e então mascarados
vândalos
se juntaram à manifestação

(ouvem-se tiros)

e fizeram um quebra-quebra''

então pergunto
vamos lá
interpretação de texto

:os tiros
antes do quebra-quebra
não indicam
quem primeiro quebra
quem?

---

a palavra do dia é
responsabilidade
de todo
dia

---

cada bomba oitocentos mangos
cada bomba
meu deus
quantos livros cada bomba dá
ou daria
quantos livros, meu deus, quantos livros

---

o objeto é mais objetivo que o sujeito
por isso
esses cornos
só se importam
com perdas e danos

---

e a Noite orgulhosamente apresenta
:chuva
e estrelas

---

[acho que precisamos de uma série de coisas curtas diretas e retas
sobre questões fundamentais e banalizadamente esquecidas
intitulada

VOCÊ SABIA?

cartilhas de crítica]
fartar-se da miséria
mesmo que esta seja
assim paupérrima
mesmo que não tenha
carne sustança mesmo que
a miséria se esgueire entre
trezentos milhões de alqueires
mesmo que a miséria se arraste
como aquele traste aquele preto aquela
puta aquele trombadinha aquele vândalo aqu
ela madame? -Isso, ela!
aquela vadia aquela professor a
quilo não pode ficar assim
não pode ficar assim isso
não!

fartar-se da miséria
da miséria e desrespeito
farta-se de não comer
de não ter no peito nem ar
para respirar fartar
-se ao menos de alguma
coisa
somos todos portadores
de deficiências
portamos sobre as costas
as cidades
portamos a sociedade
somos todos portadores
de necessidades especiais

---

demorei pra entender que
a forma como tratamos os índios
e sua terra
(não nossa. Sua terra)
é a mãe dos problemas
é a base dos maustratos que impomos
sobre as periferias, sobre os marginalizados,
sobre as mulheres, homossexuais, sobre a natureza, os animais, sobre todos aqueles
outros

a forma como tratamos os índios
e sua terra
é o que nos desumaniza em primeiro lugar
é o que nos desumaniza em primeiro lugar

mas se tratarmos direito, imagino
pode ser o que nos venha humanizar

---

[em tempo, ainda

"mas a humanidade sempre foi assim
um explorando o outro
os homens se digladiando
um querendo tirar vantagem
vendo o outro se foder"

pode ser
mas você pessoalmente
você que lê agora
você
pretende continuar com isso?
foder e ser fodido?
sai algum prazer disso, sai?

apontar a merda da humanidade e dizer fazer parte dela
ok, vá lá,
mas querer continuar
mesmo
é imbecilidade.

louvo tua perspicácia historiográfica
"sempre foi assim"
desprezo teu discurso babaca
"vai continuar"

porque não, nego
não vai]

---

[em tempo, resumir o capitalismo ou a lógica capitalista à utilização de dinheiro ou à ganância é não saber absolutamente nada
nem de capitalismo
nem de dinheiro
nem de ganância
nem de suas alternativas]

---

quando o argumento se resume ao dinheiro, o argumento é inválido

---

vou fundar um ashram
ou me juntar a um
achas que não?
pois vou, veja

---

[atenção
responsabilidade
escuta
e reflexão
faltam]

---

otarismo
nosso sistema político médio
e política sistemática da mídia

---

["ela ia com todo mundo"

"ele ficou bravo porque fui contigo"

"ela ficou brava porque fui contigo também"

essa acepção de
ir
é uma delícia]

---

às vezes a Musa vem
suja de lama
de vida
fedida
pesada
às vezes a Musa vem
como quem nem queria
como quem queria era mesmo
ir
daqui pra fora, pra frente, pra sempre
pra longe deste poema

---

hey, hey, hey
escuta
hey, filho da rima
escuta
democracia
HEY
democracia não significa
gritar mais alto e levar a fita
ouviu?
OUVIU?
quando o mundo sambar sobre nossa cabeça
mesquinharia
indecência
quando o mundo passar a passo de coco
pisado batido quando o mundo
tiver ido
talvez a gente aprenda
o ritmo
talvez a gente dance
o mundo
quando o mundo sambar sobre nossos ouvidos

domingo, 6 de outubro de 2013

ouvi dizer que o império
está caindo
que o império em queda livre
cairá
em nosso coco

ouço
dizer que aqui
baixo na sombra
seremos lombrigas tontas esmagadas
por gigante

já não sorrio como antes
mas bem confesso que me bate
uma esperança

se o império soterrar
todos nosotros
se a américa dobrar
-se como um tronco esfacelado
tronco caído
tronco deitado
tronco sem vida
um tronco morto
por sobre as cinzas
do que nós fomos

se o império despencar
por sobre o mundo
talvez possamos
afinal
crescer de novo

limo e vermes redivivos entre
madeira e lodo

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Paulo Coelho desiste da Feira de Frankfurt
eu acho bom
eu acho bom

não que ele não pudesse ir, veja bem
ele pode
a Feira de Frankfurt não tem o nome de Feira de Literatura
mas Feira do Livro de Frankfurt

devia ir o Paulo Coelho
e os escritores da lista telefônica

não sou de cânones
:livro é livro

---

seria cômico se não fosse crônico

---

[a gente chega numa altura da vida
em que nossos interesses conseguem juntar
sem esforço

poesia
xamanismo
infância
ética
e participação político
estética

é curioso

e, com sorte
nem é a metade da vida, ainda]

---

eu fui pro templo
eu fui pra portugal
eu fui pra taiwan
eu fui pra portugal
eu fui pro templo em frança
eu fui pra portugal
eu fui para macau
eu fui monge por lá

e daí eu voltei
cansado
envergonhado
por ter sabido tanto
ainda que tão pouco
dos monges
dos budistas
xamãs dos feiticeiros
dos povos das montanhas
das águas
das águias
das mágicas
dos santos
dos anjos
das fadas
das faces marcadas nas árvres
dessas coisas todas
de lá
de lá

voltei com vergonha
pra cá
porque eu não sei
de nada

voltei para cá
porque eu não sei
dos povos da floresta
dos bosques pantanal dos pampas
cerrado caatinga nem sertão
sei não

voltei de portugal
e ainda não pisei
na terra

saber voltar pensar
pisar
no chão

não é propriamente um poema

hoje pensei em livia
fazia tempo que não pensava em livia e é engraçado
porque houve um tempo em que pensava
em livia o tempo todo

hoje pensei em florine
e é engraçado
porque eu penso sempre nela
inclusive pensava nela quando falei
de livia
e ela sorrindo ficou feliz
e pôde me falar
de seu novo amor

é engraçado
hoje pensei em livia
e no novo namorado
de minha noiva

e é engraçado
que o vento da tarde na praia
o calor o mormaço
abafado
noroeste como chamamos
aqui nesses cantos
noroeste o vento pesado
e calmo
que traz tempestade
engraçado

hoje pensei em livia
fazia tempo que não pensava em livia e é engraçado
tê-la pensado

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

anticonstitucionalissimamente

crescemos ouvindo dizer que é a maior palavra
da língua portuguesa
e pelo menos aqui no brasil
acho que acabamos achando
que ser a maior
é um elogio
e assim agimos

anticonstitucionalissimamente

---

acreditar no poder do mundo

---

se dinheiro resolvesse tudo
a gente já teria feito
uma vaquinha
e consertado o mundo
se dinheiro resolvesse tudo

---

sabe...
o que a gente quer
é que as coisas se resolvam por decreto
passe de mágica
é isso que quero, não vou mentir não

porque quando as coisas saem assim do controle
quando o controle do Estado é de força mais que de fato
e quando de fato o cacete come rua afora
contra toda decência e sanidade
contra toda responsabilidade

eu queria que as coisas se acertassem por decreto
passe de mágica
nescafé

mas não, né?
e aí a gente fica olhando
olhando
falando pensando
indo pra rua e apanhando
(parênteses pra me salvar
da hipocrisia: ainda não fui à rua
ainda não apanhei
admito)
aí a gente fica olhando
e não sabe o que fazer
nem por onde pressionar
nem o que mudar primeiro, exatamente

é toda uma cadeia intrincada de erros desmandos tormentos e torturas
em espaço público ou na clausura, digaí amarildo velho de guerra
digaí

é toda uma complexidade triste
violenta
e angustiante

que, como antes, a gente só
olha
e fica olhando
sem saber por onde continuar
(porque começar já começaram
evoé, saravá, deus abençoe os movimentos)

sem saber por onde ir
sem saber onde apontar
sem saber qual nó desataria o absurdo

---

ninguém resiste ao tempo
e o tempo
não resiste a passar

---

[engraçado como de repente
as coisas vão vindo e voltando
as imagens

como se me assombrassem
mas tranquilas
mais parecidas com fadas natura do que
com fantasmas

imagens
poéticas como as de meus autores
mestrado e doutorado
jorge de lima e e.e.cummings
escritores
e artistas visuais, pintores, plásticos
fotomontagens

engraçado porque
teve uma vez em que pensei estudar
o circo
viver no circo, propriamente dito
e estudar

eu ia chamar de
antropologia
ia dizer que viver no circo era
um pretexto
de etnografia

mas não fui

e nem eles
escritores
apesar de terem no circo um dos bons motivos
em suas poesias

no círculo
na órbita
nas esferas
constelação

engraçado como as coisas vão
e vêm
e ficam
mesmo sem nunca nem
começar

respeitável público]

---

maldito caminho das índias
início da globalização
malditas especiarias
maldição
sem vocês hoje não teria
spray de pimenta na mão
de filho da puta nenhum
não teria
não

---

[ouço a globo

(é, eu sei, lamentável)

ouço a chamada e a menina fala

:ah!, acho
que o amor nasce com a gente
e o sexo a gente aprende
culturalmente

e séculos e séculos
de pensamento crítico antropológico
vai pro buraco na mente do povo
que só ouve a globo]

---

[toda vez que eu ouço
quebra-quebra
na tevê eu penso
em substituir
por outra palavra assim

chup-chup

"e no próximo bloco
:mais um dia de manifestações
e chup-chup
pelas ruas da cidade

os manifestantes pediam pelo óbvio
respeito e igualdade

um bando de mascarados foi visto
iniciando o chup-chup
na câmara dos deputados

o choque foi acionado contra o chup-chup

houve confronto"]

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

não se sabe mais
o que é democracia
talvez nunca se tenha
sabido
não se sabe mais porque
tal coisa
escapa ao império dos sentidos
não se sabe mais
porque
democracia é um conceito assim
esvaziado
vago vago
nada dentro
saco vazio não pára
?sabe
democracia é uma palavra
a mais das faladas hoje em
dia
e das menos sentidas
democracia não tem mais sentido dentro
porque mãos de fora lá foram e
arrancaram
democracia parece um jarro
de flores de plástico
mortas
mas sem nem as flores
mas sem
democracia é uma palavra estuprada

democracia ganhou de deus, nessa desgraça
"de perto ninguém é normal"

!mentira

chega perto, bem perto mesmo, e vai vendo
vai desenroscando os motivos as tendências os costumes
vai observando que
de perto, bem de perto mesmo,
ninguém é diferente

é tudo um amontoado de carbono
e maus hábitos
é tudo

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enquanto o mundo rui
tô-me eu aqui
pensando sobre a alma
pensando se ela há de
por ventura
existir

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[transcrevendo um trecho de Tocqueville
sobre Sobre a Democracia na América
ouvindo o jornalhoje dizer "a estátua da Liberdade
está fechada
por causa da queda de braço dentre republicanos
e democratas"
transcrevendo o trecho que diz
"os partidos políticos são um mal
inerente aos governos livres"
escrevo
errado
"inerente aos governos libres"

latinamérica manda abraço]

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tirem as armas do Estado
antes que a tirem
mais

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quando louvo minha imaginação
mi'a "poesia"
quando as coloco num altarzinho
do lado de jesuscristinho crucificado ou
do buda gordinho sentado em moeda
quando eu faço essa merda
minha imaginação se hipostasia
hipostasiar, pode procurar
se hipostasia
endurece
e morre
não tem deus que te socorre, depois dessa
não tem deus

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lugar de mulher é longe de ignorante

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nossos bosques têm mais vida
e a gente nem liga

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eu ouço um grito, nessa imagem
vindo do cara ali de trás, policial
e tem um choro
acho que de professora, se não me engano
não sei, sinceramente
mas ouço um choro
quase em posição
fetal
e tem alguns absurdos incontestes
são quase todos
mas tem alguns
embasbacados
e ali do lado
xerox a 7
centavos
porque o conhecimento
logo se vê
vale muito pouco




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[em tempos de 50 tons de má escrita
escritor bom ficar calado
- ou mesmo médio. Até escritor médio que fica calado -
é irresponsável]

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amigo
não banalize a ignorância

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[a propósito, estou convencidíssimo de que entendi a resposta à pergunta fundamental para a vida, o universo e tudo o mais

convencidíssimo

nunca vi ninguém falar o que entendi
então, até que me provem o contrário, só Douglas Adams e eu entendemos
o que a resposta
a Resposta
significa

42]

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esperavam dele a resolução do mundo
o preenchimento das questões
profundas sérias das mais pertinentes
da humanidade
queriam que ele soubesse o sentido da vida
e mais que isso
queriam que ele falasse
ensinasse
o sentido da vida

mas ele, escritor, apenas sabia lidar
com palavras
e só

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quando aparece ela
no começo do dia a gente
sabe que o dia
vai ser uma merda

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precisão
sereno e serenidade

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[quando você pergunta à ex
"namorando?"
a resposta certeira e mais justa do cosmos devia de ser
um tapa na orelha]

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dar voz aos que não têm
voz
e ouvidos aos que não ouvem

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abraça-te, sésamo

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não ser uma pessoa cansativa

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"A Joana parece um exu"

no Clube, à noite, secando o último copo e prestes a ir pra casa, Joana sorri e vaza

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a vida tem a sutileza de um passar de tarde

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[não há desenvolvimento e progresso
sem dedicação
sem envolvimento
atenção
e mãos à obra mãos na massa mãos sujas de terra e graxa
não há desenvolvimento quando o bando de jumentos
que hoje somos
não se envolve]

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[você mastiga um dente
de alho
e pra tirar o bafo o gosto o quente
mastiga um broto de gengibre junto

a vida natural não é de luxos e confortos]

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[no sufrágio universal
digo
por que não votam também crianças?]

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[é impossível a manutenção de uma existência política constante, em um sentido estritamente político

mas ético, estético, existencial, é possível pensar num sujeito político constante, total

para quem não todas as coisas se mostrem enquanto política

mas para quem toda política se dissemine nas coisas]

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[a democracia está dividida em diferentes tipos, sendo os dois principais:

democracia direta, em que o povo manifesta suas preferências e vontades, por voto direto, em diversas questões e assuntos diferentes; e

democracia indireta, em que o povo não manifesta nada.]

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[democracia real
monarquia do povo]

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vencer na vida é uma expressão tão triste