a primavera no coração
não digam que não
silenciem para ouvir
a flor que brota
o broto
que passeia entre os orvalhos
em meio às gotas
de surpresa e desespero
infinito encantamento
carreguem o canto e o rumor
do riacho
riam sem gravidade
também sem apego
ao motivo do riso
ao desejo
sejam
simples e efêmeros
como quem carrega
no coração
mais do que espelhos
[para Gary Snyder, poema na viagem pras três pontas]
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somos só
eu e meu amor no mundo
somos vagabundos caminhando
sem parar
somos pés, mapa, estradas
neblina em que na alta madrugada
sumiremos
eu e meu amor no mundo
somos eu e meu amor no mundo
cremos eu e meu amor no mundo
que virá
[para Jack Kerouac, poema na viagem pras três pontas]
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"Vida,para nossa eternidade,é agora"
(E.E.Cummings)
"O essencial é vivido na presença, as objetividades no passado."
(Martin Buber)
"dita a palavra essencial, amanhecerei árvore"
(Murilo Mendes)
"Eu considero uma árvore."
(Martin Buber)
"Fico feliz de pertencer a uma religião que louva uma árvore"
(Stephen Batchelor)
"Viva!"
(eu)
"Viva eu, que inauguro no mundo o estado de bagunça transcendente."
(Murilo Mendes)
"Ave, árvre"
(eu)
"Ave Sangria"
(Marco Polo)
"Marcooo..."
(Niccolò e Maffeo Polo)
"... Polooo!"
(Marco Polo)
"Lá e de volta outra vez"
(Livro Vermelho do Marco Ocidental)
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entre inferno e inferninho prefiro o segundo
que lá eles têm cachaça pizza e se você reparar bem
até saem murros em briga de bar
o inferno não é lugar para diversão
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as fotos do meu casamento
se queimaram quando a câmera abriu
as fotos do meu casamento
caíram no rio com fotógrafa e tudo
as fotos do meu casamento
estiveram todas fora de enquadro
as fotos do meu casamento
mostravam pessoas com cabeças cortadas
as fotos do meu casamento
mostravam chifrinhos caretas e olhos vermelhos
as fotos do meu casamento
estavam com o flash ligado e inútil
as fotos do meu casamento
estavam no escuro as fotos do meu casamento
as fotos do meu casamento
que nunca existiu
nunca existiram
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a estética é uma ética e vice-versa
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natureza humana
microconto-paródia-chiste de Leandro Durazzo, baseado no microconto-paródia-chiste de Diego Callazans
Certa manhã, acordando de sonos intranquilos, Gregor Samsa se viu metamorfoseado em um horrendo inseto. Como ainda tivesse tempo, virou para o lado e dormiu um pouco mais.
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hell
p
me
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arremedo desterro
arre
medo
dest
erro
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a poesia não tem pressa
não tem pés
nem vai de rodas
a parte alguma
a poesia não se enfurna
em canto algum
nem na caverna nem no ideário
mundo ideal a poesia não
te faz bem não te faz mal a
poesia sincera
mente não existe
a poesia se arrasta pela terra
mesmo na serra neblina mesmo naqu
ela colina em que voa
no ar
a poesia é só
respirar
o resto
é escrito
esquecimento
e pó
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eu sinto saudades tuas
mas não as tuas saudades
?tu sente saudades minhas
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dita
:du.ra
soletra
:dê i tê a dê u érre a
agora façam o cabeçalho
:rio de janeiro, 22 de outubro de 1964
-tia, posso desenhar um solzinho?
"pode, filho"
-solzinho entre nuvens.
"que horas são?"
-hora de voltar no tempo!
"pra qual, crianças?"
-pro pior.
<
-ah, não?
<
-parece.
...solzinho entre nuvens...
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a questão das biografias
agora
nos proíbe
de chamar de filhos da puta
os filhos da puta
sem sua prévia autorização
de suas mães
ou senhoras
e agora?
filha da puta é a legislação
- você me permite, constituição,
dizer assim, você permite? -
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se a ignorância for fruto da preguiça
ela é má vontade
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menos mídia
mais amida
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