domingo, 28 de outubro de 2012


coma pão
bem aos poucos
em pedaços
de miolo

marque o caminho interior
com o método joão

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

nota budista sobre ativismo social

Por muito tempo tive a ideia formada de que política, sobretudo a política institucional, partidária, das eleições e demais mecanismos sistemáticos, não funcionava. Que não funciona. Não era uma ideia de que "as coisas estão em más condições". Não. Era a ideia de que "as coisas não vão melhorar, por esses meios, porque o sistema é ruim e as pessoas também".

O sistema é ruim, decididamente. Vivemos uma política burocratizada, uma estrutura que engessa sua própria mobilidade, mas costumamos - ou eu costumo - expandir essa deficiência também para as pessoas, para as pessoas individuais que compõem as coletividades sobre as quais paira o sistema. Sabemos, é claro, que o sistema não "paira sobre", mas está misturado com, permeia todas as ações cotidianas e formas de pensamento mais simples. Entretanto, as pessoas apresentam uma vantagem frente a sistemas estruturados: as pessoas podem mudar com mais facilidade, podem acordar diferentes, podem ser tocadas por algo e passar a agir de outro modo. As pessoas mudam com maior rapidez do que as condições.

Por esse muito tempo, então, minha atitude frente a manifestações de apoio a algo era, no mínimo, cética. "Ninguém vai ler meu e-mail", "não vai adiantar", "ninguém se importa". Mas, agindo assim, eu estava sendo inconsistente com minha própria visão de mundo, com minha compreensão sobre a mudança.

Não sei se alguém vai ler meu e-mail, não sei se vai adiantar, não sei se alguém - além de mim, porque sobre mim eu posso ter certeza, caso preste atenção suficiente - não sei se alguém se importa, mas também não sei se não. Não posso afirmar que não. Isso, nunca.

Há uma passagem no Tenzo Kyôkun, as Instruções para o Cozinheiro-Chefe Zen de Mestre Dogen (fundador da ordem japonesa Soto Zen, confira aqui: http://aguasdacompaixao.files.wordpress.com/2008/01/dogen-eiheishingi-tenzokyokun-instrucoesparaocozinheirochefe.pdf) que diz:


"Se nós não podemos saber como nos fixar no Caminho, como podemos avaliar outra pessoa? Se os critérios a partir dos quais nós julgamos os outros são incorretos, podemos pensar que seus bons aspectos são maus  e vice versa. Que grande engano!"


Se não sabemos como seremos amanhã, como podemos nos apressar a julgar os outros? Se o fizermos, seremos contrários a nossas próprias possibilidades de mudança. Como posso afirmar o que alguém fará hoje, se eu próprio não sei como eu serei amanhã - ou daqui a minutos?

De acordo com o Buda histórico, Siddharta Gautama, só há um meio para o praticante conhecer as coisas, saber de seus efeitos e de sua validade: praticando. O Buda sempre reforçou, em seus ensinamentos, um ponto fundamental e muitas vezes esquecido. Esse ponto diz que ninguém deve aceitar verdades sem, antes, investigá-las. Nenhum mestre espiritual, nenhum professor gabaritado, nenhuma autoridade superior, ninguém tem a possibilidade de nos mostrar a verdade, exceto nossa própria experiência.

Então, como pode ser verdade que "não vai adiantar nada", se eu ainda não agi? Se eu ainda não ofereci a oportunidade para que algo acontecesse? Se não adiantar nada, tudo bem. Se adiantar algo, minha experiência foi válida.

Nenhum mestre, professor ou autoridade tem superioridade sobre nossa experiência, sobre nossa atenção e ação. Ninguém, nem mesmo nós e nossos preconceitos, medos e incertezas.

O Buda dizia "venha e veja", convidando a experimentar suas descobertas. No mesmo sentido, a prática e o exercício na vida social, na vida pública, deve ser um "vá e faça". Esteja de acordo com o desejo de ajudar os outros, de fazer o bem. Considere cuidadosamente suas atitudes e os possíveis efeitos de suas ações. Mas, se existe uma possibilidade qualquer, vá lá e faça. É possível que os resultados surpreendam.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012


é melhor do que
se pensa

nota sobre o Budismo no Brasil

Há alguns meses fui contactado por um WebJornal para responder a algumas questões sobre o budismo no Brasil. A matéria saiu e, como era de se esperar, do que eu respondi pouquíssimo foi aproveitado (confira o texto em questão aqui: http://www.mundodigital.unesp.br/webjornalnovo/23/09/2012/por-um-mundo-mais-zen/)

Portanto, aproveito para publicar aqui no míseramesa as respostas completas que não foram utilizadas.


Quando o budismo chegou ao Brasil? Como foi essa chegada?

No início do século XX, com a chegada dos imigrantes japoneses ao Brasil – em 1908 -, o budismo nipônico desembarcou oficialmente no país. Havia um missionário ordenado, no navio Kassato Maru, e com ele o Budismo Primordial (Honmon Butsuryu-Shu) começou a se estabelecer. Entretanto, por pelo menos 50 anos a presença desse budismo, e de outras tradições japonesas, manteve-se restrito à comunidade étnica de imigrantes e descendentes. Foi quase o mesmo caso com o budismo chinês, que chegou ao Brasil quase um século antes da imigração japonesa de 1908. Em 1810, centenas de chineses foram levados ao Brasil com o intuito de desenvolver o cultivo de chá, e não é difícil imaginar que carregavam consigo as tradições religiosas da terra de origem. Seja como for, essa primeira migração chinesa não vingou em terras brasileiras, nem seu budismo se expandiu para além dos poucos remanescentes dessa onda. É seguro falarmos numa maior expansão do budismo no Brasil a partir das décadas de 1950 e 1960, especialmente, com as novas ondas migratórias da Ásia, especialmente da China e Taiwan, e com a consolidação de centros missionários japoneses como o Higashi Honganji, em São Paulo. Nessa época, inclusive, o budismo tibetano se expandia para o ocidente por conta da invasão chinesa ao Tibet, que infelizmente se prolonga até hoje, e o exílio do Dalai Lama trazia a diversos países ocidentais essa tradição budista específica. No Brasil, aparentemente, o budismo tibetano se fortalece a partir da década de 1980. Depois, em 1992, chega ao país um representação de Fo Guang Shan, ordem taiwanesa do budismo chinês, que hoje marca presença importante com o templo Zu Lai, em Cotia – SP. 

Recapitulando, portanto: o budismo étnico está presente no Brasil desde as migrações orientais, no século XIX com os chineses, século XX com os japoneses. Sua difusão entre a população brasileira não-descendente, entretanto, acontece lentamente a partir da metade do século passado, e se fortalece pelo interesse acadêmico e intelectual dos estudiosos e leitores de obras budistas, acompanhando uma tendência ocidental do período. Existem diversas tradições, escolas budistas e correntes vindas de diferentes países asiáticos, e essa sumarização não chega nem perto da verdadeira realidade budista brasileira. São apenas alguns pontos em um cenário disperso e de difícil mensuração, que merece ser descoberto e conhecido por todos que se interessem pelo tema, pelas práticas, pela religião. Retomando a pergunta inicial, vale lembrar que não é tão simples falarmos de “um budismo”, já que 2500 anos de tradição filosófica e dispersão geográfica constituíram “budismos”, expressões religiosas embasadas nos ensinamentos fundamentais do Buda – o Dharma -, mas que ainda assim se mostram bastante diversificados em suas manifestações.

Existe alguma estatística de quantas pessoas seguem os ensinamentos budistas no Brasil e no mundo?
Existem os dados do IBGE, que ainda neste ano de 2012 divulgou as informações do censo mais recente com relação às denominações religiosas no Brasil (ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_Religiao_Deficiencia/tab1_4.pdf ). Com relação aos anos anteriores, podemos encontrar na tese de doutorado do professor da PUC-SP Rafael Shoji a recolha desses dados (http://d-nb.info/972545468/34 ). De 1991 para 2000 tivemos a diminuição do número absoluto de budistas, passando de 236.405 para 214.873. Já no censo recente, de 2010, temos a população total budista estimada em 243.966. Um aumento em números absolutos, portanto, que está ainda à espera de uma análise adequada.

Com relação aos números no mundo, temos uma boa fonte no site internacional BuddhaNet (http://www.buddhanet.net/e-learning/history/bud_statwrld.htm e http://www.buddhanet.net/e-learning/history/bstatt10.htm).

Qualquer pessoa pode participar dos rituais budistas?

Sim, embora essa seja uma resposta bastante relativa. É sempre possível participar das práticas budistas oferecidas por cada centro de Dharma, por cada templo específico. Entretanto, nem todos os rituais são completamente abertos ao público, porque alguns deles requerem a realização de rituais anteriores. Mas práticas de meditação, participação em ritos de recitação de sutras, entre outras atividades, normalmente estão abertas a quaisquer interessados. Basta que, para isso, a pessoa entre em contato com os responsáveis por cada organização e, assim, encontre as melhores maneiras de conhecer o Dharma e, com interesse, praticá-lo.

nota sobre Guarani Kaiowá e um passo pra terra madura

Este é um texto otimista sobre uma situação péssima. Desnecessário explicar toda a história: a internet tem bombado com informações e notícias da questão Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, sobretudo após a última semana. Para quem não sabe, um resumo:


Terras tradicionais das populações indígenas nativas, já reconhecidas como pertencentes às comunidades, ainda são ocupadas por latifúndios de produção agrícola. As comunidades, assim, acampam em torno das áreas em que estão seus ancestrais e, em certos casos, retomam e reocupam a terra que é deles, por direito. Nos últimos tempos, a Justiça Federal achou por bem retirar os indígenas das terras das fazendas, que na verdade é terra indígena, mas a Justiça parece não lembrar. Então, em assembléia comunitária, ficou dito algo como "não sairemos mais daqui, de nossa terra sagrada. Se a Justiça não vai nos proteger, se vai prosseguir com nossa expulsão, então que traga logo um trator para nos enterrar. Não temos Justiça para quem apelar: decretem logo nosso extermínio. Daqui nós não saímos."

Houve alguma divulgação desse fato, logo que a carta passou a circular, e uma lamentação estrutural. Sabíamos desde o começo que o trator ia chegar lá. Os índios iam morrer, porque nós temos a tendência de não ligar para esse tipo de situação. Os índios iam morrer defendendo a terra, seu modo de vida indígena, e nós estaríamos pouco ligando.

Mas a internet, esse animal que nos distancia e embrutece, resolveu dar uma oportunidade à causa. Por facebook, twitter, blogs, sites, e-mails, petições, youtubes, pouco a pouco a questão grave e urgente do MS passou a circular, a ganhar terreno. A criar uma nova terra que, muitos dizem, tem potencial para ser sagrada. Porque vimos primaveras árabes, democracias islandesas, diversas movimentações e flash mobs, mas nós mesmos estávamos de fora. Quer dizer, houve a novela semana passada, mas ela era efeméride: acabou e, suponho, não deixou marcas significativas.

Os índios, entretanto, os Guarani Kaiowá que uma parcela considerável dos perfis brasileiros de facebook mantém como sobrenome, essa novela não é efeméride, e eu temerosamente digo que está em vias de marcar significativamente nossa trajetória enquanto coletividade em rede.

Manifestações estão sendo chamadas, apagões virtuais programados, tudo com o intuito de chamar a atenção da mídia, dos poderes, dos órgãos responsáveis. Mas, mais que tudo, essas coisas têm sido convocadas por uma questão muito mais sutil e que, no afã da mobilização, talvez não estejamos percebendo.

Essa comoção, em grande parte sincera, está demonstrando que nós ainda temos uma noção de humanidade, de compaixão, um sentimento de coletividade - por mais estranho que pareça. Essa mobilização está demonstrando que existe, sim, amor em SP, no MS, existe amor em PE, RS, BA, PR, DF, GO, e todas as demais siglas que marcam os nosso estados.

Estamos recuperando, talvez, uma memória antiga e esquecida: a memória de que somos brasileiros, e que o  Brasil é uma terra, e que essa terra não é só poeira e pedra. Essa terra, em diversas partes do nosso país, são pessoas. Porque índio é terra, como uma bela chamada fazia lembrar. Índio é terra, e se nós somos da terra do Brasil, nós podemos também ser índios, e devemos também ser índios.

Não podemos ser como a Islândia, mas podemos ser como Kaiowás, Guaranis, Jês e todos mais. Podemos ser negros quando formos negros, brancos quando formos brancos, orientais quando formos orientais. E, a despeito disso tudo - ou justamente por isso tudo -, podemos ser terra. Porque a terra não pertence a nós, nem ao latifúndio, nem aos índios. Nós pertencemos à terra.

Sejamos justos com ela.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

contos de fábulas XII

O sétimo reino no ranking da riqueza passou a investir pesado, aquele ano. Os seis primeiros reinos se tornaram temerosos, desconfiados, infiltraram agentes e sabotadores. Não era para um sétimo se tornar em sexto, ou - deus os livrasse disso! - em primeiro. Nunca.

O ano transcorreu. Sétimo reino era difícil de entender. Os seis primeiros soberanos, os agentes, os infiltrados, os sabotadores, todos acompanharam a odisseia anual. Pelas prestações de contas mensais, pelo orçamento público, todos sabiam que o sétimo reino investia pesado. Durante um ano. Ninguém, entretanto, sabia onde, ou sabia como.

Pensou-se em guerra. Investimentos tão secretos só podiam ser cilada, só podia ser uma fria. Como na antiga investida silenciosa e armamentista. Os seis reinos começaram a se preparar, também em silêncio - mas nem tanto. Os reinos todos souberam em pouco tempo que os seis primeiros investiam em guerra, "Segurança nacional", como diziam. Os reinos todos ficaram temerosos. E o ano prosseguia.

Na classificação anual, depois de contadores e economistas, assistentes sociais e antropólogos, monges e executivos, depois de toda a equipe inter-reinal de avaliação passar pelos reinos todos, o ranking foi exposto.

Os seis primeiros reinos tinha descido vertiginosamente, entre as posições 23 e 42. O sétimo reino, curiosamente, continuava em sétimo.

Os seis primeiros postos agora eram dos reis que antes estavam entre 8º e 13º.

O oitavo colocado, entretanto, foi a maior surpresa daquele ano. A maior surpresa. O oitavo reino era o que antes, no ano passado, fôra o septagésimo primeiro. 71. O último colocado do ano anterior.

E então todos os reinos souberam onde o sétimo reino havia investido.

Este ano, dizem as bocas-pequenas que o novo 71º já mostra sinais de melhora...
O objetivo da espontaneidade não é chocar, embora ela possa ter tal efeito.

Atitudes que visem a chocar não são espontâneas. Em sua premeditação, se enrijecem tanto quanto as estruturas rígidas que sofrerão o choque.

De um lado ou de outro, a base não muda. Ou é espontâneo, ou é artificial.

domingo, 14 de outubro de 2012

dharma 45

Outono, o tempo muda. Chove mais, esfria, faz sol e calor de novo. Portugal não está como sempre foi, em questão de clima. As coisas mudam.

Chuva de outono, aqui, é chuva de verão no Brasil. Forte, pingos grossos caindo pesados, muita água e pouco tempo. Logo passa. Recolhendo a roupa lá fora, pensei exatamente nisso: "são chuvas de verão".


E continuei, recém-acordado, a pensar que

"trazer uma aflição dentro do peito
é dar vida a um defeito que se extingue
com a razão".

Também passa, aflição, peito, vida, até razão se extingue. Orlando Silva já cantava, Caetano também cantou, e caminharam contra o vento, sem lenço e sem documento

ao sol de quase dezembro

Sim. Também vou. E percebo, nesses momentos, que não só do Dharma vem o Dharma, não só do leste vem a sábia consciência de que a coisa toda passa. 

"Ressentimentos passam como o vento
são coisas de momento
são chuvas
de verão".

Dar realidade a coisas não-reais é um engano, engano que cometemos todo dia. É legítimo estar triste, mas dizer "estou triste" coloca essa tristeza - que, afinal, não existe, ou se existe vai existir apenas por pouco tempo - em um nível diferente. Ela passa a existir como coisa autônoma, como "a tristeza", entidade. Palavras têm poder. Antes de dizer, antes de acreditar que a carregamos dentro do peito, a tristeza não existe, a aflição. Ela é um misto de muitas coisas que nós, pensando sobre, decidimos nomear de tristeza.

Mas, como a chuva de verão no outono português, a tristeza também passa. E se estivermos atentos a esse fluxo, se não criarmos ressentimentos contra a chuva, em muito pouco tempo podemos estender as roupas novamente. Ao sol de quase dezembro.

sábado, 13 de outubro de 2012

divulgação científica

pensando sobre divulgação científica. Isso falta, nas nossas academias, não falta? O ensino - ou melhor, o treinamento e a prática - de comunicação científica, de dizer aos não-acadêmicos o que nós, acadêmicos, fazemos. Divulgação científica não é ciência propriamente dita, suponho. Também não é pura oratória de entrevistado. O que é, então? Como fazer? E, especialmente, quem fazer? Um grande acadêmico não tem a obrigação de ser também um comunicador eficaz - e grande parte de nossos pesquisadores/professores universitários infelizmente demonstram essa ausência de eloquência. Se fazer boa pesquisa não significa, necessariamente, saber falar sobre a boa pesquisa, a divulgação científica deve ser tarefa de comunicadores/educadores/acadêmicos-bem-falantes. E ponderados. Extremismos retóricos, se não forem estrategicamente pensados, podem se tornar demonstração de arrogância. Demonstração de uma suposta superioridade intelectual. A ciência, tanto a humana quanto a exata, sobre homem/bicho/planta, deve praticar a fala. E, diferentemente do que estamos acostumados, não a fala aos nossos pares. A ciência precisa de ímpares.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

quinta-feira, 11 de outubro de 2012


a morte
é casinha de brinquedo
ninho de marimbondo
que voa dentro
a morte é estilhaço de vidro
e caco cravado no tempo

a morte reflete o vento

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

terça-feira, 2 de outubro de 2012

segunda-feira, 1 de outubro de 2012


a rede de veias
artérias
e vasos que correm o corpo
são a rede de comboios e trens para o coração