Este é um texto otimista sobre uma situação péssima. Desnecessário explicar toda a história: a internet tem bombado com informações e notícias da questão Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, sobretudo após a última semana. Para quem não sabe, um resumo:
Terras tradicionais das populações indígenas nativas, já reconhecidas como pertencentes às comunidades, ainda são ocupadas por latifúndios de produção agrícola. As comunidades, assim, acampam em torno das áreas em que estão seus ancestrais e, em certos casos, retomam e reocupam a terra que é deles, por direito. Nos últimos tempos, a Justiça Federal achou por bem retirar os indígenas das terras das fazendas, que na verdade é terra indígena, mas a Justiça parece não lembrar. Então, em assembléia comunitária, ficou dito algo como "não sairemos mais daqui, de nossa terra sagrada. Se a Justiça não vai nos proteger, se vai prosseguir com nossa expulsão, então que traga logo um trator para nos enterrar. Não temos Justiça para quem apelar: decretem logo nosso extermínio. Daqui nós não saímos."
Houve alguma divulgação desse fato, logo que a carta passou a circular, e uma lamentação estrutural. Sabíamos desde o começo que o trator ia chegar lá. Os índios iam morrer, porque nós temos a tendência de não ligar para esse tipo de situação. Os índios iam morrer defendendo a terra, seu modo de vida indígena, e nós estaríamos pouco ligando.
Mas a internet, esse animal que nos distancia e embrutece, resolveu dar uma oportunidade à causa. Por facebook, twitter, blogs, sites, e-mails, petições, youtubes, pouco a pouco a questão grave e urgente do MS passou a circular, a ganhar terreno. A criar uma nova terra que, muitos dizem, tem potencial para ser sagrada. Porque vimos primaveras árabes, democracias islandesas, diversas movimentações e flash mobs, mas nós mesmos estávamos de fora. Quer dizer, houve a novela semana passada, mas ela era efeméride: acabou e, suponho, não deixou marcas significativas.
Os índios, entretanto, os Guarani Kaiowá que uma parcela considerável dos perfis brasileiros de facebook mantém como sobrenome, essa novela não é efeméride, e eu temerosamente digo que está em vias de marcar significativamente nossa trajetória enquanto coletividade em rede.
Manifestações estão sendo chamadas, apagões virtuais programados, tudo com o intuito de chamar a atenção da mídia, dos poderes, dos órgãos responsáveis. Mas, mais que tudo, essas coisas têm sido convocadas por uma questão muito mais sutil e que, no afã da mobilização, talvez não estejamos percebendo.
Essa comoção, em grande parte sincera, está demonstrando que nós ainda temos uma noção de humanidade, de compaixão, um sentimento de coletividade - por mais estranho que pareça. Essa mobilização está demonstrando que existe, sim, amor em SP, no MS, existe amor em PE, RS, BA, PR, DF, GO, e todas as demais siglas que marcam os nosso estados.
Estamos recuperando, talvez, uma memória antiga e esquecida: a memória de que somos brasileiros, e que o Brasil é uma terra, e que essa terra não é só poeira e pedra. Essa terra, em diversas partes do nosso país, são pessoas. Porque índio é terra, como uma bela chamada fazia lembrar. Índio é terra, e se nós somos da terra do Brasil, nós podemos também ser índios, e devemos também ser índios.
Não podemos ser como a Islândia, mas podemos ser como Kaiowás, Guaranis, Jês e todos mais. Podemos ser negros quando formos negros, brancos quando formos brancos, orientais quando formos orientais. E, a despeito disso tudo - ou justamente por isso tudo -, podemos ser terra. Porque a terra não pertence a nós, nem ao latifúndio, nem aos índios. Nós pertencemos à terra.
Sejamos justos com ela.
É isso...essa comoção virtual também me parece trazer questões mais profundas em seu cerne, como você bem colocou: o sentimento de humanidade, uma noção de unicidade, de pertencimento, de responsabilidade, de culpa...não sei ao certo! E essa é uma das características desse mundo virtual: não saber onde a coisa começa, como começa, nem onde vai dar. Navegamos em mares obscuros, de águas cada vez mais turvas, repletas de fatos destorcidos, verdades obtusas, por onde fluem nossas incertezas, medos, agonias, mas também as esperanças...
ResponderExcluirA questão é: navegamos todos juntos. Não há como negar o que se passa diante dos olhos e acredito que esse fato já nos torna de alguma forma responsáveis, cúmplices.
Por mais que as vezes tomar partido em qualquer situação pareça contraditório e delicado, essa parece ser a sina a que todos estamos fadados enquanto humanidade (se afinal assumirmos essa condição).
Há que se agir, que se despender energia, mas - relembrando os ensinamentos do Gita - não há como prever os resultados dessa ação e nem se apegar a eles.
Poxa vida, isso que é sensibilidade e lucidez até as últimas conseqüências!
ResponderExcluirObrigado pelos comentários!
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