domingo, 14 de outubro de 2012

dharma 45

Outono, o tempo muda. Chove mais, esfria, faz sol e calor de novo. Portugal não está como sempre foi, em questão de clima. As coisas mudam.

Chuva de outono, aqui, é chuva de verão no Brasil. Forte, pingos grossos caindo pesados, muita água e pouco tempo. Logo passa. Recolhendo a roupa lá fora, pensei exatamente nisso: "são chuvas de verão".


E continuei, recém-acordado, a pensar que

"trazer uma aflição dentro do peito
é dar vida a um defeito que se extingue
com a razão".

Também passa, aflição, peito, vida, até razão se extingue. Orlando Silva já cantava, Caetano também cantou, e caminharam contra o vento, sem lenço e sem documento

ao sol de quase dezembro

Sim. Também vou. E percebo, nesses momentos, que não só do Dharma vem o Dharma, não só do leste vem a sábia consciência de que a coisa toda passa. 

"Ressentimentos passam como o vento
são coisas de momento
são chuvas
de verão".

Dar realidade a coisas não-reais é um engano, engano que cometemos todo dia. É legítimo estar triste, mas dizer "estou triste" coloca essa tristeza - que, afinal, não existe, ou se existe vai existir apenas por pouco tempo - em um nível diferente. Ela passa a existir como coisa autônoma, como "a tristeza", entidade. Palavras têm poder. Antes de dizer, antes de acreditar que a carregamos dentro do peito, a tristeza não existe, a aflição. Ela é um misto de muitas coisas que nós, pensando sobre, decidimos nomear de tristeza.

Mas, como a chuva de verão no outono português, a tristeza também passa. E se estivermos atentos a esse fluxo, se não criarmos ressentimentos contra a chuva, em muito pouco tempo podemos estender as roupas novamente. Ao sol de quase dezembro.

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