sábado, 30 de março de 2013


enquanto penso na morte
deitado no sótão vago de um quarto em algum lugar
passam pela clarabóia dezenas de passarinhos
migrando voando indo embora do frio antigo
piando ao lado de lá

enquanto penso na morte o inverno acaba

a guerra explode
em minhas veias pulsando

talha-se um corte
por entre selvas e campos
montanha e chãos de navalha
mortalha extremo oriente
a guerra explode e amanhece
as veias circulam gente
e escorrem corpos no asfalto
em rios de horror estridente

terça-feira, 12 de março de 2013


silêncio

o mestre riu
rosnou como um cachorro
e riu de novo

quando o aprendiz tentou rosnar
levou um tapa ao pé do ouvido

e o mestre riu

pega a jóia tríplice
e dá pros pobres
pro sujo, o torpe
o morto de fome

pega as promessas feitas
na santa ceia
e alimenta os que jejuam

põe pão na rua
não desaponta
o homem santo que aponta a lua

não abra a boca pra falar mal
mas abra a boca
inspire o ar, retire a roupa
e cubra o corpo que passa frio

não abra a boca só pra comer
mas pra falar
com compaixão e serenidade

ande perdido pela cidade
sem esmolar
amando a todos numa sacola
de boas compras
que se dividem

deixe a visão se fazer correta
e ver que a seta que atinge o homem
envenenada
faz parte de uma mazela inteira
estruturada

respire e ria
porque o templo é a tua prática

mas para os que não praticam
uma ferida dói bem na alma
e o teu silêncio
se não for zêlo
é só desprezo

segunda-feira, 11 de março de 2013


o mundo é um poema sujo
poema inteiro rasgado em versos tristes
e pés quebrados

só o que salva o mundo
e o poema
é a beleza que a sujeira não encobre
nem destrói

só é sublime o que a vida mói

domingo, 10 de março de 2013

um monte de poemas que estavam no aguardo


o sol
pipoca no horizonte

as nuvens passam cheias
de umidade
numa velocidade que eu não manjo

tivesse asas de anjo, seguiria
mas deve ser um frio do inferno
lá em cima

---

um bom monge
um terapeuta
um professor
um bom poeta
são todos bons xamãs

não há como agir da forma certa
se não souber lidar com sutilezas
do espírito pequeno que se encolhe
em dor
em sofrimento

não dá pra trabalhar com os humanos
como quem só aperta parafusos

sempre somos confusos
preocupados
buscando que entendam nosso lado
e nos amparem

queremos só que parem o turbilhão
e, mesmo que errados, estamos sempre à espera
de uma mão

e pouco quase nunca de um grito
de uma ofensa
um menosprezo

mesmo que estejam certos
mesmo que bem mais sensatos
mesmo que bem mais loquazes
mesmo que sagazes

não são só os pequenos que se encolhem
porque núcleo dos grandes também sofre
mas como grandes, mais fácil se escondem
dentro de uma insensibilidade

um bom xamã é um bom poeta
um bom monge um bom amigo
um terapeuta um bom ouvido

que atenta pro murmúrio
do sonido

---

arrepio
de frio e medo
arremedo
de força e brio
arremate
de corte e dor
arredores
de amar-te amor

---

não adianta cruzar as pernas
e não endireitar a mente

---

ninguém pensou
no inconcebível

---

a gente dá de cara
com a mortalidade
até que a morte
dê na nossa cara

---

so
ria

---

explodem olhos de crianças
em cores
fogo
em preto e branco

pés descalços
roupas sujas
nada disso nunca anula
o que não temos mais não

quando crianças
nos olhos
constelação

---

quem inventa um mundo torto
não tem tempo de olhar o mundo
http://www.westernjournalism.com/pastors-react-when-council-decides-to-drop-jesus/um dia

daqui a não muito, suponho
jesus vai descer de novo

com a mesma roupa rasgada
imunda de sangue
sandálias, farrapos
pés quase descalços
e os cabelos longos de nunca cortar

vão ver jesus e teimar
"mas, que diabos!, cadê toda a grana
a renda, a verba, cadê o usufruto
do dízimo, cadê terno armani
cadê o menino bonito e bem cuidado que vendiam pra gente
cadê?"

jesus vai sorrir
estender a mão
e convidar todo crente e seres de boa vontade
a ver a verdade

jesus vai voltar a caçar
pelas vielas
pelas poucas matas do interior

porque ele não há de gostar
não mais
de ovelhas
ou pastor

quinta-feira, 7 de março de 2013

mesmo deus abençoa isso, 47 vezes

As portas estavam fechadas. Lá dentro, todo mundo sabia, se escolheria o futuro algoz de uma nação.

O primeiro cidadão, inconformado, abriu a porta e declarou "aqui é meu, também. Casa pública, não permito absurdo a portas fechadas". Foi preso na hora.

As portas continuaram fechadas. Um segundo cidadão, vendo o ocorrido, a prisão, entrou também no salão: "Não! Não, vocês não vão. O país não é a casa de praia de vossas senhorias". Também foi pra cadeia.

Portas fechadas. Terceiro cidadão irrompeu, dizendo pra que parassem. Aquilo era um absurdo. Não se faz coisa velada em uma democracia. "O país não é a casa de vossa tia". Preso.

E assim foi, um depois do outro, uma depois da outra, um- depois d- outr-, tudo todos presos todas até as crianças que resolveram falar. E as portas teimavam em fechar.

Cada um que abria as portas sabia que seria preso. Que não teria muita luz no outro dia. Que, talvez, acabasse a vida ali, naquela hora. Mas quê fazer? Daria pra continuar, cuidando da própria vida pequena, quando deixasse a vida grande virar um circo, um problema?

Cada pessoa que entrava, falava um pouco e era presa. Sob acusações quaisquer, aleatórias, ninguém ligava. O importante era a porta fechada.

Mas quando as portas se abriram por dentro, com o coluio feito, perceberam que do lado de fora, no país todo, haviam sobrado poucos.

A cada entrada na porta as pessoas sentiam, talvez pela primeira vez na vida, que elas próprias valiam menos que o todo. Quando as portas se abriram por dentro, o país estava era preso.

Mas, ah!, quanta felicidade se reunia naquela festa de presos, destituídos de tudo, sobre a qual não importava reuniões a portas fechadas...