Pra todos os efeitos, deve fazer um ano que não medito. Quase isso, pouco mais ou pouco menos, e a última vez foi bem longe, em Portugal. Onde eu morava. Agora, aqui na Argentina, ouço o mantra de Ksitigarbha, meu abençoado padroeiro, bodhisattva dos mortos, das crianças, dos infernos.
Explico, breve: bodhisattva é um ser que, no budismo, faz votos para não atingir a iluminação. Isso porque, iluminação atingida, o nirvana alcançado, nunca mais renascimento, nunca mais vida terrena - ou, cosmologicamente falando, nunca mais vida em reino nenhum da existência.
Bodhisattvas, então, são seres que dizem "não". Que param no Caminho para ficar até quando for preciso, para poder estar em todos os reinos da existência em que seres em sofrimento e ilusão estejam precisando de uma mão, uma palavra, um empurrão. Varia. Ksitigarbha fez um voto - grande voto, na minha opinião o maior deles - de ir para os reinos inferiores, infernais, e lá ficar até que não houvesse mais nenhum ser naquele plano.
E lá está, até agora, considerando que o inferno anda sempre abarrotado.
A última vez que eu tinha meditado, pelo menos que eu lembre, na sala de Sapadores, minha casa velha em Lisboa, sentado de pernas cruzadas e cara virada à parede, tocava o mantra dele, Ksitigarbha. Dizang Wang Pusa, em chinês, porque eu tô mais pra China que pra indiano.
De lá pra cá foram oceanos e mares, continentes, mudanças, mortes, renascimentos, respirações, andar por um labirinto, e no fundo da minha mente passava "preciso voltar a isso".
Mas não voltava.
Até que sim, pura e simplesmente. Meu São Cristóvão transportou de lá pra cá um que faltava, e perto do Rio da Prata olhei pra Ksitigarbha, ouvi ao que ele dizia, que diziam dele, e parei. E volto. E soa o manto da voz divina. Ou infernal, depende do ponto de vista.
Simples. Nada demais.
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