Em “O Naufrágio do Aqueronte”, primeira novela de “Mar de
Viração”, a convalescença é um personagem. Enquanto a leitura
singra o mar atrás de futuros, em alguma cabine alguém convalesce,
ouvindo música para os ouvidos e palavras de uma criança para o
coração. Margarida, a menina que abre o Naufrágio, vai pouco a
pouco ajudando a fechar as feridas da escrita.
Essa história foi gestada em um momento de quebra, e talvez pela
quebra ela tenha gerado saúde. Ou tentativas de saúde, máximo que
qualquer criação humana permite. Poucos anos antes eu morava
além-mar, e minha volta ao Brasil trouxe junto uma volta a
realidades que andavam distantes: velhice, adoecimento, uma avó aos
poucos definhando, o barco tendo que seguir apesar disso, a família
tendo que se entender justo por isso.
Não admira que Daniela Delias tenha escolhido o início do
Naufrágio como uma das epígrafes de seu “Nunca estivemos em
Ítaca” (Editora Patuá, 2015), livro-síntese de poemas em que
estar ou não estar são estágios relativos. São passos – e
entendimentos – da jornada.
Epígrafe em "Nunca estivemos em Ítaca", de Daniela Delias (Patuá, 2015) |
Aprendi isso antes mesmo de publicar, aliás, com pelo menos dois
grandes nomes da literatura e da tradução deste país ao qual
voltava no Naufrágio, e a quem sou eternamente grato pela ternura e
amizade. Marcia Heloisa, minha preceptora nos caminhos da tradução
– a quem devo inclusive uma das profissões a que me dedico –
dizia desde nosso princípio: permaneça escrevendo, continue
seguindo, vá fazendo o texto em forma de dom, de doação, de Dana
(como chamamos a entrega no budismo, a caridade, a generosidade
irrestrita). Siga seguindo a vida e, a propósito, como dizia um grande
livro que Marcia traduziu, “NÃO ENTRE EM PÂNICO!”
Alberto Lins Caldas, poeta gigantesco, certa vez me disse quase o
mesmo: você (eu, no caso) é de escrever histórias. De contá-las.
Deixe que as editoras editem, que os circuladores circulem, que o
caminho se encaminhe de carregá-las. Não sei propriamente se sou,
mas ainda assim continuo escrevendo – tenho continuado,
possivelmente continuarei. Escrevendo, traduzindo, ouvindo o som das
palavras todas, até das que não chegam.
É uma espécie de fé, essa existência.
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Mar
de Viração será publicado no segundo semestre de 2018 pela Editora
Moinhos. Aproveitem o ensejo para acompanhá-la nas
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