Que sensação estranha é se frustrar
após dez anos de tranquilidade.
Li Tao Ming, mandarim, século VIII
Mal acabara de sair da casa, resolvi voltar. Deixei meu ônibus passar batido pelo ponto e andei, na chuva, de volta ao prédio em que estava. No caminho, ridículo, fui pensando no que dizer ao entrar de novo, depois de ter dito que ia embora.
A chave na mão serviria para mentir “Ah, esqueci a chave em algum lugar, só notei depois”. “O ônibus demorou demais, resolvi ficar um pouco e ir daqui mais tarde, só” também funcionaria. Sem contar com o improviso ou o silêncio, que muito bem fariam o favor de me ajudar. Ora, apenas voltei, qual o problema?
Lá estavam a moça e o dono do apartamento, dormindo jogados quando saímos. A moça. Era por ela que eu voltava, depois de ter ido embora semi-covardemente. Notem: a noite começara por ela, por causa dela, só por isso. Mesmo. E ela foi comigo, no fim das contas, para o fim da noite na casa de alguém. Lá, entretanto, não ficara comigo, mesmo tendo ficado... não ficara, de fato, e não pude deixar de notar que, talvez, mesmo ali ela tivesse já ido embora.
Então, quando fui, pensei que seria justo, no mínimo, deixar a menina dormindo e sumir sem me preocupar. Ela não dera mesmo atenção, não se importara. Ora, ela mal me notara, depois do começo, e foi toda derretimento para o hippie violeiro que chegara lá depois.
Ainda assim não pude ir embora, no meio do caminho. Tive de voltar. A moça estava lá, afinal, era para isso que eu voltara à cidade. Pela moça. Que merda, moça estranha, por quê?
Chegando na porta certa, com a mão sobre a maçaneta, notei que ela não se abria. Desisto. Viro as costas, vou embora. Posso mudar o caminho, mas não discuto com portas fechadas.