segunda-feira, 28 de janeiro de 2013
felizmente
no meio de tanta gente um ou outro
se oculta
calmo, quieto, pensativo,
fazendo todo o possível pra passar despercebido
agindo bem, sem ser ouvido
sem ser gravado
sem ter seu nome marcado a ferro e fogo e fama no mural
que leva breve a alma à lama
e que engana
felizmente um ou outro
no meio de tanta gente
sem ser ninguém valente grande forte
é você
e isso é bom
e isso basta
santa maria, olhai por nós
O imperador pensava nos duzentos corpos, mortos, crianças perdidas. Alguns já eram adultos, verdade, mas para as mães e pais daqueles mortos eles seriam crianças por toda a vida.
Vida dos pais e mães, que fique claro - pensava o imperador. Os duzentos mortos estavam mortos, e agora só deus, deuses, fantasmas e o mundo eterno das histórias é que lidariam com eles. Para os familiares, amigos, chegados, para as pessoas sensíveis o fato era que aqueles mortos mataram pedaços de muito, mas muito mais que duzentas vidas.
Sendo direto, pragmático, o pensar do imperador fazia contas: de duzentos, dois pais pra cada. Isso já dava quatrocentos. Era possível tirar alguns números, claro, porque com certeza alguns eram órfãos, completos ou de pai, ou de mãe. Mas multiplicavam-se também mais e mais mortos pela morte, porque os duzentos tinham avós, irmãos, irmãs, talvez filhos.
Os duzentos tinham amigos.
E é provável que, além disso, os sensíveis também contassem. Das duas centenas, mais outras centenas tiveram partes mortas, naquele dia.
E para os que morreram, pensava o imperador, a dor tinha sido clara, marcante e imediata, mas passara. Para os que só morreram pedaços, a dor que não doera voltaria, volta e meia, a doer pelas filas demoradas de banco, pelas noites de insônia e dos sonhos, ao lavar louça, roupa, ao trepar ou sorrir.
Milhares, concluiria o imperador, não sem pesar. Milhares de mortos no corpo de duzentos meninos lambidos pelo fogo.
domingo, 20 de janeiro de 2013
do parapeito
da janela do sujeito
os pés pequenos escorregaram
são sete andares
janelas
ares
fumaça e vento
em pouco tempo a menininha
de saia rosa, cabeça altiva
levanta voo
dos sete andares só caiu cinco
e se voou
o tempo
me escorre pelos dentes
teu cheiro encontra a alma
da camisa
tua ausência eleva a brisa
a vendaval
teu toque já distante
tua sombra
bagunçar do teu cabelo
nossas roupas
poucas e todas despidas
a lembrança se inflama
nessa cama estreita e fria
tão vazia de você
o correr do tempo escorre
pra eu te ver
quinta-feira, 17 de janeiro de 2013
o raio-x
da questão
está gravado nos ossos
pirata com perna de pau
com olho de vidro
nariz de picapau
não acha
rabisco em minha vida um mapa
de tesouro
e ao papagaio-louro
entrego a pista falsa
da questão
está gravado nos ossos
pirata com perna de pau
com olho de vidro
nariz de picapau
não acha
rabisco em minha vida um mapa
de tesouro
e ao papagaio-louro
entrego a pista falsa
quarta-feira, 16 de janeiro de 2013
se estivesse vivo
em meu aniversário
eu comemoraria mais um ano
por volta do horário em que o sol
cruzando eixo orbital cartesiano
passasse a via láctea ao largo
varresse o pó de estrelas com cuidado
e colocasse tudo sob o pano
azul escuro imenso do infinito
terça-feira, 15 de janeiro de 2013
amor e dor
além de pobres rimas
são palavras que ensinas
como se fossem verdade
antes de dizê-las
pensa
se achares, mesmo assim
que são coisas de verdade
pára
e pensa mais
domingo, 13 de janeiro de 2013
as massas
podem até ser moldadas
por mãos fortes
cabeças claras
controladoras
de recursos e quantidades
mas é aos espíritos sutis que elas
respondem
com quem combinam
como meu tio Ivo
as suas pizzas
de tão leves
alçavam voo
aldeia maracanã
quando acordou
o dinossauro ainda estava lá
daqui a tempos
encontrarão um ou dois fósseis
enterrados no Maraca
- da justiça e do bom senso
(agradeço a Monterroso por uma graça alcançada. Pouco engraçada, admito, mas a culpa não é dele)
sexta-feira, 11 de janeiro de 2013
todas as coisas
têm uma grave atração
pelo chão
têm uma grave atração
pelo chão
ali,
virando onde não virou
teu rumo
esteve escondido o prumo
do que agora te falta
mas calma
que mesmo na densa mata
naufragam em caudaloso
rio, proas de dez fragatas
quinta-feira, 10 de janeiro de 2013
milagre na rua 46
Atrasado, retiro os guizos e fitas d'ouro e de Natal. Sobraram três, apenas, somente as que a avó doente não conseguia tirar da janela. Prata, dourada, vermelha. Três cordões de pecinhas pequenas brilhantes decorativas. Três natalinas.
A cada uma tirada, passava pras mãos da avó, que as embolava. E a cada uma das três fitinhas cordões em bola, fazendo logo seus nós - daqueles que, quando tiramos o enfeite do saco, de qualquer sacola, nas vésperas de outros Natais, lamentamos imediatamente o bolo, novelo, a dificuldade que é, todo ano, fazê-los voltarem, normais, à janela. Cordões esticados, depois de um trabalho danado de uma ou mais tardes inteiras, dezembros, café brigadeiro sorvete castanhas e mais, cordões pendurados do lado de fora, janelas a mostra, jardins, quintais.
Pensei'mediato em dizer "Pára, não enrola, vai enozar", mas só por instante. O segundo e melhor pensamento que veio mudou o desespero de ver os cordões embolados no saco, aguardando o Natal do que vem.
Porque, sendo início de ano, temos mesmo o direito de errar e plantar nossos nós - a serem difícil e longamente desatados, depois. Desatar os guizos, em dezembro, atados no meio janeiro, costura uma ponta à outra do ano. E um dia, de tanto embolarem-se fitas, não vão mais haver nenhuns nós.
sábado, 5 de janeiro de 2013
koan do em quando
a face que eu tinha
antes de nascerem os pais
era face dos metais
sexta-feira, 4 de janeiro de 2013
um dia conheci um poeta que não agia em conformidade
nem com poesia, nem com honestidade,
mas ficava por aí mentindo a jovens estudantes
roubando descarada
mente
as moedas já faltantes dos meninos
conheci um poeta, certa vez,
mas não o conheci de fato
porque pegando o dinheirinho das crianças
o cara se escondeu no mato
da mente macaco
pulando nos galhos
sej'árvore
pulando nos galhos
sej'árvore
quinta-feira, 3 de janeiro de 2013
é preciso luva de pelica
no
pé
pra pisar em ovas
O que aconteceu foi o seguinte: ele morreu. Mas não sem
antes deixar para alguém os frutos de seu trabalho, seu sacrifício, o suor
condensado de sua vida sofrida, de sua lida e vitória, da cicatriz de derrota e
do calor de São Paulo. Morreu e deixou para o filho um viaduto, cheio de homens
adultos e mendigos bebês. Testamento dizia: “meu filho, se vira”. O filho, esperto,
virou pro deserto e foi Atacama. Hoje em dia o viaduto é um albergue noturno e
durante a tarde faz doce pra fora.
o carinho não faz um cara
e espinho não faz espera
redemunho não move esfera
nem marinho mergulha fundo
se tudinho no mundo é tudo
um mundinho é a voz de um mudo
terça-feira, 1 de janeiro de 2013
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