terça-feira, 18 de outubro de 2011

A história da poesia americana: Walt Whitman e a criação dos emoticons


É sabido e inconteste que o criador dos emoticons, sinais gráficos que povoam a internet desde o início dos anos 1980, foi um pesquisador americano de Ciências da Computação. Scott E. Fahlman, da Carnegie Mellon University de Pittsburgh, desenvolveu esse expediente gráfico para que as comunicações entre ele e seus alunos, por meio dos recém-criados e-mails, pudessem conter pequenos traços de expressão que ajudassem os leitores das mensagens a compreender as intenções por trás da escrita: sobretudo as expressões sarcásticas. Nas comunicações por texto, “The problem was that if someone made a sarcastic remark, a few readers would fail to get the joke, and each of them would post a lengthy diatribe in response” (FAHLMAN, http://www.cs.cmu.edu/~sef/sefSmiley.htm). Para resolver isso, Fahlman sugeriu o uso de :-) como “marcador de piadas”, e o resultado disso todos conhecemos.
Entretanto, um crítico literário da Manoa University acaba de revisar esta história. Em artigo intitulado A história dos gráficos digitais: de Gutenberg a Zuckerberg, ainda no prelo, Huali Scott-Gerald investiga uma curiosa presença de emoticon em uma das poesias norte-americanas mais aclamadas dos últimos séculos: a poesia de Walt Whitman.
Diz Scott-Gerald:

Walt Whitman foi um grande revolucionário, cantor de sua época e arauto da independência espiritual que os Estados Unidos conheceu ao longo de todo o século XX. Faceta também notória em sua biografia é o amor livre e dedicado aos companheiros de estrada, andarilhos, poetas e marinheiros (REYNOLDS, 1995; LOVING, 1999). Por tal precedente, longamente documentado, podemos evidenciar uma característica tipográfica inovadora em sua obra, encontrada em um dos primeiros poemas de Leaves of Grass. É possível que tal inovação tenha contagiado mesmo e. e. cummings, um dos mais ousados experimentalistas da poesia norte-americana. Talvez, como propomos demonstrar aqui, tenha mesmo influenciado o surgimento dos emoticons como forma de demonstrar sentimentos do escritor, sentimentos esses relacionados não somente ao humor mordaz, irônico, mas também ao muito conhecido sinal de flerte e cumplicidade. Indo ao poema, portanto, encontramos Whitman em seu diálogo direto e sem barreiras metalinguísticas, dirigindo-se aos companheiros da forma que segue: “Bear forth to them folded my love, (dear mariners, for you I fold it here on every leaf ;)” (WHITMAN, 1995, p. 10).
Repitamos aqui os caracteres utilizados com lascívia pelo poeta, para marcar claramente que seu “amor aos marinheiros” transbordava o expediente literário. Ao dizer “for you […] ;)”, Whitman arrisca uma sutil piscadela que decerto passou despercebida pelos leitores da época, tanto casuais quanto críticos, embora não tenha, decerto, deixado de arranjar a ele, poeta, algumas tórridas noites de amor com homens do mar acostumados a sinais ocultos” (SCOTT-GERALD, no prelo, p. 237)

O crítico prossegue por mais algumas centenas de páginas, demonstrando não apenas que Walt Whitman utilizava tais procedimentos gráficos como também estes eram conhecidos de Gutenberg. O que nos interessa aqui é, certamente, sua asserção polêmica: “Em tempos de internet, chats e Facebook, Walt Whitman é-nos essencial para compreender as modalidades de côrte e galanteio típicas da informática contemporânea” (SCOTT-GERALD, no prelo, p. 356).

Resta a nossa resenha questionar: terá a piscadela whitmaniana influenciado o grande e. e. cummings em seu magistral poema A leaf fall on loneliness?

Referências

FAHLMAN, Scott E. Smiley Lore :-) Disponível em: http://www.cs.cmu.edu/~sef/sefSmiley.htm
LOVING, Jerome. Walt Whitman: The Song of Himself. University of California Press, 1999.
REYNOLDS, David S. Walt Whitman's America: A Cultural Biography. New York: Vintage Books, 1995.
SCOTT-GERALD, Huali. A história dos gráficos digitais: de Gutenberg a Zuckerberg. Manoa: Manoa University Press, no prelo.
WHITMAN, Walt. Leaves of grass. NY: Oxford Press. 1995.

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Leandro Durazzo é doutorando em História, Mestre em Estudos Literários e pesquisador nas áreas de Poesia, Galanteio e Côrte na Corte portuguesa do Ottocento.

Um comentário:

  1. Gostei muito do fluir do seu texto! E fiquei curioso!

    De qualquer maneira, ainda há resistência aos sinais gráficos em poesia, ou eles ocorrem com certa frequência entre os contemporâneos? Ilumine-nos, Leandro! =D

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