Seguia a rua de ponta a ponta, sem usar a calçada. O dia se punha e olhei para a lua, a claridade da cidade espalhada pelas fachadas, janelas, roupas penduradas a secar. De repente passou por sobre mim uma libélula. Ligeira. Um bicho leve, inseto estranho, asas bem largas, bicho pequeno. Passou uma libélula por sobre mim, vinda de onde eu vinha e indo pra algum lugar lá pros lados aonde eu ia.
Tudo bem, pensei. Eis que então passou mais uma, mais duas, três libélulas voadoras. Passaram cinco, e quinze. Depois de pouco tempo duas dezenas estavam passando em cima de minha cabeça. Continuava andando, continuavam voando, íamos todos no mesmo sentido. Meus olhos olhavam o céu e as libélulas todas.
Então parei. Mais de dezenas, já eram centenas de insetos voando do mesmo lugar e indo pro mesmo lugar, dezenas de centenas, milhares. Olhei para a origem, de onde elas vinham, e vinham do nada. São bichos pequenos, eu disse, e magros. O céu é bem vasto e azul então, de repente, lá estavam. Como vindas de lugar nenhum.
Dezenas de milhares.
Acompanhei as libélulas até mais longe que meu destino. Olhava pra elas voando e pensava onde iam, mas sumiam tão breve como surgiam, desaparecendo magrelas no céu imenso.
Cheguei a uma esquina. Não só minha rua era via libélula como as outras também, e na encruzilhada elas todas tomavam a mesma direção. Sumiam lá longe, num campo enorme pra baixo do chão dessa rua, quase um vale, um descampado de cidade onde ainda existem só árvores e plantas e grama e faltam os homens.
Centenas de milhares. Bichos perfeitamente normais, vindos de lugar nenhum e indo a lugar nenhum.
Enquanto escrevo estas linhas há libélulas passando em frente à minha janela.
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