O demônio dissera "não olhe para trás". Feu caminhava por horas ouvindo ecoar o conselho, ainda, em algum lugar entre o ouvido e as costas. Nem olhara o demônio falar. Não olhe para trás significa não olhe para trás. E ele não olhava.
O caminho era tortuoso, quente, voltemeia frio, quase sempre desesperador. De vez em quando, entretanto, avistava uns diabos de folga, sentados à sombra fumando um cigarro.
Escorregou numa ponte estreita feito espada. Viu um dedo do pé cair, cortado, e se perder na escuridão do precipício. "Porra!", pensou, mas não falou nada. Aproveitou a queda para engatinhar pelo resto da ponte, cortando as mãos e os joelhos. Pelo menos estava inteiro quando chegou. Sem um dedo mas inteiro.
Mantinha a cabeça voltada para a frente mesmo nos momentos em que algo lhe agarrava os calcanhares. "Não olhe para trás", afinal.
Vislumbrou ao longe a claridade. Um traço fino de luz do dia atravessava despenhadeiros, pedras, névoa, trevas, morcegos, sangue, dor, gritos, copas de árvores retorcidas e uma cortina de seda azul. Sorriu. Parecia a saída.
E era. Saindo da cratera deu dois passos até estar banhado pelo sol. Manteve os olhos fixos no horizonte, sentindo o cheiro do dia que passava pelas nuvens já distantes. Carina chegou logo após e parou a seu lado, vinda também lá do fundo do poço.
- Oi, Feu! Obrigada por vir me buscar.
Deram as mãos e saíram de perto daquele inferno.
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