quinta-feira, 27 de junho de 2013

II

enquanto eu te ouvia, Livia
campos de infinito
brotavam em meus ouvidos
pétalas flores mares
dançando com teus contares
se armando de tuas armas
vestindo tuas palavras

enquanto te ouvia, Livia
o mundo era mais que o mundo
o mundo, por um segundo
voltou-me a ser primeiro
um mundo que a mim me veio
e não um que me arrancaram

enquanto eu te ouvia, Livia
te via sentia e tudo
o mundo do outro mundo
voltou a ser este mundo

tu foi minha encarnação
apenas
doar
voa

segunda-feira, 24 de junho de 2013

cena banal sei não que número

Arrumando a mala, indo embora. Dois anos depois, indo embora. Agora. Arrumando a mala com pouca coisa que vai, pouca coisa que fica, pouca coisa que veio. Veio um pião. Dois ano atrás.

Não sei, pensando nisso, por que eu trouxe. Um pião de madeira, um pião velho, fieira suja, puída. Marcado a tinta, triangulado, desenhado nos veios da pele como se fosse um índio. Padrões tribais, preto e vermelho, zé pilintra, exu, boa e velha pombagira.

No quarto de Lisboa o pião gira, gira, gira e cai, gira e cai, cai, cai. Fieira voa, poeira estoura no pedaço céu em que hoje é verão. Onde o sol batendo iluminando o balé dos pequenos pós, das pequenas coisas, ácaros tempo folhas, o verão chegando e eu indo embora.

no Clube, cena banal

Ele acorda cedo pela manhã com o braço adormecido, volta a dormir um pouco, olha pro lado e ri, volta a dormir, ela dorme. Nas idas e vindas da mente, do sono do sonho todo, lembra de um dialoguinho dito no fundo da noite, na beira depois da qual é tudo sono esquecido.

- Bom ter te conhecido. Feliz por esses dois dias, por esses dois dias todos.

- Por todos esses dias.

- Feliz por estar contigo.

- Feliz por estar contigo.

Sono, sono, dia logo continua.

- Você não devia viajar. Amanhã.

- Vá comigo.

- Não dá.

Não vai.

Dormem, dormem, sonham, acordam com o gosto estranho na boca de uma ressaca. Ele se veste e breve, casaca por sobre o ombro, tenta sair do corpo, do sonho dela que o ata.

Ele sai meio triste, ela fica não sabe como.

A noite de choro e samba no Clube, a noite primeira de ambos, ainda ressoa e tanto. Ela em um canto, ele na rua. Ele cantando. Ela nua.

são joão

meu coração
é uma fogueira
cima da qual
coração pula

domingo, 23 de junho de 2013

sacos e sacos de papéis rasgados
comprovantes notas contratos
sacos e sacos de passado
a reciclar
o que eu quero mesmo é ver o circo
pegar fogos
de artifício

quinta-feira, 20 de junho de 2013

carnaval consciente
festa da carne
de soja

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a ignorância é violenta
e ignorante e violenta
a ignorância é violenta

não se ignora essa certeza

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deus abençoe o vinagre
deus abençoe o vinagre

não é mais em vinho que a água torna
deus abençoe esse povo
até o ateu

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sonhamos todos com quando
não à violência
vai se tornar em
não há violência

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não há nem nunca houve um lugar nesse planeta melhor que o brasil
mas nesses últimos dias, meus amigos, sinceramente
não há nem nunca houve nem nunca vai haver
neste planeta ou naquele
melhor que o brasil
só o brasil de agora

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quarta-feira, 19 de junho de 2013

movimento passo livre

aumento da frota, né, seria massa. Aumento da massa na frota também, galera deixando carro de lado, desestimulando o estímulo consumista predatório e automotor das reduções de IPI e etc e tal, pegando bicicletas pra conversar com as pessoas que pedalam junto, parando pra tomar uma cerveja sem pressa porque não tem perigo nem de perder o ônibus nem de ser parado na blitz, de repente as pessoas começam a perceber que nem só de km rodado vive a cidade, mas aquela árvore ali no meio da rua, olha só que legal aquela árvore, você já tinha percebido? Acho que não porque, sabe como é, a gente tava sempre corrido esperando chegar em casa corrido sempre corrido porque se eu não corro por um minutinho não menos que isso por um milionésimo de segundo eu perdia o buso e se eu perdesse o buso a carne que tá na sacola não ia chegar lá em casa e a patroa ia era ficar bem da puta porque os moleque não iam comer esse assado inda hoje. Inda bem que eu corri, inda bem que deu, daquela vez, porque agora veja você agora eu percebo que tem uma árvore ali no meio, olha só, no meio da rua, deve ter sido por causa da luta do monte de gente que desceu do mundo e chegou no mundo e pisou na terra. Maravilha de gente que vai e tenta e erra e até que berra ora por que não? claro que sim, berra mesmo, isso aí, ainda bem agora tá tudo bem, não não tá tudo não mas tá bom, é um putão começo, um começo puta do bom, e aquela árvore ali no meio, cê tá vendo a árvore ali no meio? Coisa bonita essa vida.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

ouça o álbum dance a dança
a banda tocará sobre minha cabeça
em marcha enfim festiva
e os gritos da polícia
não mais serão mesclados à fumaça da injustiça

não bombas não terão
nem balas rosas choque
não nada

eles verão que não há que uma primavera
que em toda nossa terra
há verão

domingo, 16 de junho de 2013

guerra civil

Meu país anda em guerra civil e eu ando aqui, olhando pra morte, esperando que tu volte, pensando não sei o quê. Meu país em guerra civil e eu preocupado com quantos graus faz na Bélgica, agora, enquanto lá fora polícia atropela pessoas só porque sim, só porque há roda que pode oprimir.

Explode uma bomba, balas voam, multidão dispersa e de repente um buraco abre no meio da rua, vazio, só som e fumaça, ninguém se aguentando. Todos corridos, fugindo, virando as esquinas enquanto dá tempo. Depois até voltam, reúnem, se abraçam, contam os ferimentos e se asseguram de que, afinal, ninguém se machucou demais.

Explodo eu em bomba, bolo planos, voo, disperso e de repente tenho um buraco no meio do peito, vazio, sem som nem fumaça, escuro e doendo. O tempo corrido, fugido e virado que nem uma página em livro. Depois até volto, sorrio, acalmo, tateio meus braços e vejo a ferida que, aberta, não dói sem parar. Afinal, ninguém se.

Mas há hoje o estado de guerra sim, viu? Pedaço de mim contra o outro, o lado que apanha sem nem saber a razão, sem saber bem sabido o bater, pulsação. Se tivesse que pensar para funcionar, pararia.

Meu país acordando em guerra civil e eu sem conseguir dormir, por ele e por ti.

sábado, 15 de junho de 2013

consideremos que a democracia no Brasil tenha 28 anos, recentíssima desde o fim da ditadura. Consideremos que em 1985 a gente teve, vá lá, uma primeira re-possibilidade de atuação democrática.

Agora considere que eu, particularmente, tenho 27 anos. Um a menos que a democracia, portanto. Considerem que vocês me olham - sejam mais novos ou mais velhos - e, no máximo, me acham interessante quando gostam de mim. Quando não gostam, quando não têm afinidade, vocês provavelmente olham e só pensam que "tem apenas 27 anos, que é que vai saber da vida?"

Então eu tenho que mudar, imagino. O tempo inteiro, constantemente, tenho que reconhecer que sou novo e inexperiente em muita coisa - em tudo, pra ser sincero - e que, justamente por isso, justamente por ser mais novo que a democracia, eu nunca posso dizer: deixem eu ser como estou! Sou bom e completo, assim.

Não sou. Acordo todo dia tendo que mudar algo, e durante o dia percebo que muito do que mudei desde que acordei já anda errado, outra vez. É um inferno, vocês sabem - ou pelo menos imaginam.

Eu não sou bom, completo, sensato, coerente nem funcional. Nem funcional, percebem bem? E eu tenho 27 anos, um a menos que a nossa democracia.

Se eu, sendo um só, já consigo ser tão errado e incompleto pela minha idade, imagina o sistema político que a gente insiste em achar "bom, justo, eles estão lá para nos representar legitimamente".

Se nem eu me represento sem ter que pensar sobre isso todo o tempo...

sexta-feira, 14 de junho de 2013

guarani kaiowá avenida paulista

não pode manifestar na floresta
porque a floresta hoje é cana
é soja é gado é mato importado e pesticida

não pode andar na cidade porque
cidade é caminho de carros
de rodas asfalto e tristeza comprida
mas bem coordenada, vê lá
pagando os impostos sabendo a hora
em que é saída do turno da noite
vê lá

não pode falar com os amigos
sobre os inimigos do estado
porque esse ato falar o indizível
é pouco sensato

aqui caberia um verso
uma estrofe
falando dos outros dos fracos que tentam
depois de um turno da noite
gritar suas besteiras vandálicas

caberia, não vou de hipocrisia que já tem quem se diplome
nesse assunto

mas hoje não cabe uma estrofe
na qual se ignore que mesmo a mais pura
ignorância bondosa de um povo
é violentada na ponta da bota
que bate
que mata
que marcha
e que só não morde porque
não consegue

não duvido nada que além de hematomas de bombas de balas
ou de borrachadas
um dia a polícia ataque a mordidas

ê vida, ê
vê lá
é mais fácil falar com a parede
as paredes pelo menos
têm ouvidos

quinta-feira, 13 de junho de 2013

QuandO o SanguE FervE

quando o sangue ferve e a pedra ergue
foto do G1
quando o chão desaba
quando some
quando soma
quando longe
quando engana
quando perto
quando em quando
quanto teto
de estrelas
sobre a cama
sobe o certo
seco o álcool
que inflama
quando o sangue ferve e a bala vem
direta e reta e certa errado eu que estou aqui
na frente dela
classe média nem é uma desgraça completa
só mais ou menos

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quem confisca vinagre
é governo em conserva

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expectativa não é qualidade
de vida

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sou um livro perfeito
uma obra-prima
no prelo

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paz sem voz não é paz, é medo
voz sem paz é também

quarta-feira, 12 de junho de 2013

angu de angústia

eu não sou bom de ter contatos
com o outro mundo
ou com fantasmos
eu não sou bom em ver o além
em ver além do que já pude
ver em ti
quando te vi
quando viveste
e eu vivi
não sou tão bom nem animado
em ver espríto
desencarnado
nem que tu'alma
alma penado
não sou bom não em ter contato
com o outro lado
com outro mundo

mas eis-me aqui
tentando em todo momento ouvir
o teu penar
tua brisa rápida em malassombro
eis-me eu aqui
buscanto um tanto
eu feito tonto
por te seguir
no umbral da morte
pra qual tu foste

já não sou forte
e tremo eu
nesta meia-noite

floral de bar

não importa quanto
eu aperte
force torça
não importa
sai nem mais uma gota
que compense
ou que complete
com algo novo
o que já foi

terça-feira, 11 de junho de 2013

vivemos um surto de nostalgia
que não chega aos pés do que vivíamos

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santantóin de pernas pro ar
santantóin quem vai me levar
uma prenda no altar
santantóin?

santantóin de ponta cabeça
santim bom favor não esqueça
santantóin trazer meu amor.

santantóin santantóin
teu é dia melhor de todos
teu é dia feliz de nós.

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verdade revelada
verdade descoberta
verdade inventada

vela-se outra vez
tira a cobertura
venta

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- eu não escreveria um bestseller.
- você não conseguiria.

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se sua vida perdeu consistência
coloque farinha

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meu horóscopo'je disse
vá meu filho errar na vida
horóscopo esperto esse
dizendo o que eu faria
disse-me os astro ou não

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não há nem pode haver um absoluto para a ação humana. A boa intenção, a boa vontade, mesmo o esforço e a atividade que busquem um fim comum e completo, por bons que sejam, são bem improváveis. Não que sejam impossíveis, porque ninguém sabe nunca dos limites da possibilidade, mas das probabilidades a gente pode entender mais. E com um pouco de boa vontade, análise crítica e observação, é fácil compreender isso: por mais boas situações, por mais boas pessoas, por mais bons movimentos que haja, ainda que maioria, esperar um absoluto é despautério. Improbabilidade quase infinita - porque improbabilidade infinita seria impossibilidade, e eu já disse que nada é impossível de partida. Acordemos todo o tempo com os limites de nossas improbabilidades.

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não confunda andar no caminho do meio
com parar no meio do caminho

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o fruto
maduro
que cai

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você não sabe da missa um terço
e já me vem dizendo
o jeito que deus toca
o contratempo

afe, maria
aprenda a rezar primeiro

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espero que estejas
feliz
e que esse silêncio eterno
seja um sorriso aberto
dizendo-me que tu não diz

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eu queria ser a pessoa certa
pra toda pessoa precisada de alguém