sexta-feira, 17 de maio de 2013

cena vulgar

Há quanto tempo foi? Um ano, dois? Talvez um mês? Ou mais? Por que o buraco que ficou ainda afunda, por que escorre nas paredes do escuro interior a mesma gosma? O que é isso que afoga e tira o ar? Ao que suspende, por qual pedaço do corpo? A mente? Eu não estou voltando, ela disse, e não estava. Lembrei de ouvir eu estou grávida, enquanto as duas mãos lavavam pratos. Mas não estava. Grávida. As minhas mãos molhadas sim, lavavam louça, sabão de casca de laranja. Lembro que sorri, que ela sorriu, lembro que pensei puta que pariu!, grávida. Não há melhor mãe para um filho meu, pra filho nenhum. Cheiro de laranja, água morna, neve fora, por um breve momento pensarmos filho, pensarmos vida, pensarmos casa. Ela não está voltando, ouvi mais alguém falar, e quando dei por mim era eu mesmo a voz. A casca de laranja do passado me faz chorar, olho irritado, olho irritado. Não sei que passa comigo agora, neva lá fora em algum lugar, mas não é aqui, nem nesse país. A água morna sou eu por dentro, a louça suja se empilha entulha o apartamento. O cão me rosna, a mesma gosma ainda escorre. Um mês ou dois atrás, não mais. Mas sinto o infernizar da paz que se escoa pelo ralo, entre restos de futuro e sabão caseiro líquido a gotejar.

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