um dia chegaram ao fada que vivia no céu, lá no céu e além de tudo, com vários problemas debaixo do braço. Chegaram um milhão de moradores do céu, lá do céu e além de tudo, porque o fada costumava resolver os problemas de todo mundo, sempre que alguém precisava de alguém pra resolver os problemas que eles, o mundo, não conseguiam. Coisa de fada, sabe como é: era velho, velho, centenas de centenas de anos, mas novinho feito folha porque afinal ele era um fada, e fadas não envelhecem nenhuma centeninha de segundos. Aí chegou o mundo. "Ei, fada, resolve essa pra nós!", gritaram todos, e o fada viu que tinha uma centena de centena de voz ali na frente do jardim da frente, antes da macieira, e tudo com problemas debaixo do braço. aí o fada disse "Mas que querem, meu céu do céu, que querem vocês? Qual o problema, mundão dos céus, qual é?" E então disse todo mundo "É o velho muito muito muito velho que não pára de encher o saco!". E o fada "Mas que velho muito muito muito velho?". E eles "O que vive lá no alto além do céu e de tudo além, e não pára de dizer 'por quê?'. Você vai resolver, cê vai?"E o fada disse "Uai!, eu vou. Agora com licença, saiam todos da redondeza que eu vou varrer a calçada". "E o que que nós faz com os problema, seu fada?", perguntou uma vozinha acesa, no meio da multidão. O fada, que tinha acordado fazia nem mesmo quinze minutos - e que só não tava puto porque ele é fada, e fada não emputece, senão em que mundo é que nós estaríamos? - o fada falou "Deixa ali, baixo da macieira, que eu dou um jeito nisso mais tarde. Agora, meu mundo, passar bem vocês" e entrou pra tomar desjejum.
Então, depois da varrida, depois da comida, o fada abriu asa e voou e voou e voou e continuou voando e passou todo o dia e passou as estrelas passou os planeta e foi indo e foi indo e voando e chegou lá no fim do universo, quase, num lugar em que tinha só uma igrejinha. Esfregando as vistas o fada viu que no alto do campanário, no alto da igreja, pra cima do sino havia um homem, um homenzinho, mas velho muito muito muito muito muito muito muito velho. Sentado. Parado. E o fada falou "Ei, você!"
E nada. Nem mesmo um sinal de que o velho, o sino ou o mundo ouviam o fada. Nada. "Ei, você!!", falou outra vez, com duas exclamações pra ver se adiantava. Não adiantou. Então o fada, que tinha voado o dia todo e voado e voado e voado e voado e já tava cansado pegou, novamente, e voou. Chegou lá no alto, lá no campanário, e tentou outra vez. "Você! Ei!!!"
este continho é uma adaptação livre do
primeiro - e muito, muito bom, conto deste livro
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E veja você, não foi que deu certo? O velho homenzinho, que era mesmo mesmo muito muito muito muito muito muito muito velho piscou como que saído do sonho, como que acordando, olhou para o fada e falou "Por quê?".
"Mas por que o quê, meu filho? Como 'por quê'? Você não sabe não o porquê de eu estar aqui, tão lonjão, de ter voado tanto? Você tem que saber!"
E o velhinho "Por quê?". O fada, já muito cansado, nem se fez de rogado e foi logo dizer "Eu vim aqui porque você tá é enchendo o saco do povo de todo o mundo do céu e além de tudo, e eu vim aqui resolver."
"Por quê?", disse o homenzinho muito muito muito muito muito muito velho.
"Porque, diálogos!, porque você tá enchendo o saco com esse monte de porquês, e é bom você parar"
"Por quê?", disse outra vez o homenzinho muito muito muito muito muito velho.
"Porque sim, rapaz, porque sim. É claro que o pessoal desse mundaréu todo não vai aguentar, como já não aguentam, um homem muito muito muito muito velho que só apoquenta!"
E outra vez disse o pequeno homem muito muito muito velho "Por quê?"
"Olhe só, meu amigo, eu vim aqui na maior das boas vontades, ajudar o infinito de gente que hoje foi lá reclamar. Eis que tô aqui pra ajudar. Digo logo, pra economizar assunto, meu velho muito muito velho, que não vou ficar toda a vida tentando te fazer calar"
"Por quê?", tornou, como sempre tornava, o homenzinho muito muito velho.
"Porque, ora bolas! Porque sim!! Como, mas que coisa, porquês e porquês e porquês. Deu na telha não ter mais nada a dizer? Vou ter que ser honesto, sincero e bruto: mais um 'por quê?' que eu escuto e tu vai tomar um cascudo"
Os olhos brilhantes de vida, a única coisa não velha do pequeno homenzinho bem velho, sorriam ao perguntar "Por quê?"
E como tinha avisado, o fado desceu-lhe o cascudo, passou-lhe um sarrafo e saculejou o homem velho do campanário pra fora, dali pra baixo. Destino era a queda, e o homem caiu e caiu e caiu e caiu
e caiu e caiu e caiu
e a cada queda que caía, a cada estrela planeta cometa avião a cada nuvem a cada queda que caía o homenzinho ia deixando de ser velho. Primeiro virou mais moço, ali nos 50, depois meia idade, quarentão enxuto, depois bem mais jovem, depois adolescente com espinha na cara e tudo que tem direito. Caiu e caiu e caiu e a cada segundinho de caída ia ganhando mais tempo na vida e deixando no céu a velhice que, cá entre nós, nunca lhe caiu bem.
Ao pousar, suave e levemente, era um bebê prontinho pra nascer.
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